I A sala em espelhos brilha Com lustres de dez mil velas. Miríades de rodelas Multicores — maravilha! — Torvelinham no ar que alaga O cloretilo e se toma Daquele mesclado aroma De carnes e de bisnaga. E rodam mais que confete, Em farândolas quebradas, Cabeças desassisadas Por Colombina ou Pierrette. II Pierrot entra em salto súbito. Upa! Que força o levanta? E enquanto a turba se espanta, Ei-lo se roja em decúbito. A tez, antes melancólica, Brilha. A cara careteia. Canta. Toca. E com tal veia, Com tanta paixão diabólica, Tanta, que se lhe ensangúentam Os dedos. Fibra por fibra, Toda a sua essência vibra Nas cordas que se arrebentam. III Seu alaúde de plátano Milagre é que não se quebre. E a sua fronte arde em febre, — Ai dele! e os cuidados matam-no. Ai dele! que essa alegria, Aquelas canções, aquele Surto não é mais, ai dele! Do que uma imensa ironia. Fazendo à cantiga louca Dolorido contracanto, Por dentro borbulha o pranto Como outra voz de outra boca: IV — "Negaste a pele macia "À minha linda paixão! "E irás entregá-la um dia "Aos feios vermes do chão... "Fiz por ver se te podia "Amolecer — e não pude! "Em vão pela noite fria "Devasto o meu alaúde... "Minha paz, minha alegria, "Minha coragem, roubaste-mas... "E hoje a minh'alma sombria "E como um poço de lástimas..." V Corre após a amada esquiva. Procura o precário ensejo De matar o seu desejo Numa carícia furtiva. E encontrando-o Colombina, Se lhe dá, lesta, à socapa, Em vez de beijo uma tapa, O pobre rosto ilumina-se-lhe!... Ele que estava de rastros, Pula, e tão alto se eleva, Como se fosse na treva Romper a esfera dos astros!...