Poemas tristes
Colecção de poemas que retratam ou descrevem melâncolia. Os poemas melâncolicos são aqueles que expressam tristeza, saudade, solidão ou outras emoções negativas. Eles podem tratar de assuntos como o amor perdido, a morte, a mudança ou a incerteza. Os poemas melâncolicos geralmente têm um tom mais sombrio e introspectivo, e podem ser escritos de muitas maneiras diferentes, incluindo verso livre, rima ou formas tradicionais. A melancolia pode ser uma emoção difícil de expressar, mas os poemas melâncolicos nos permitem encontrar as palavras e as imagens que precisamos para expressar o que sentimos. Eles também nos ajudam a entender e a processar essas emoções de maneira mais profunda, e podem nos ajudar a encontrar consolo e significado em momentos de tristeza ou dificuldade.
Luís Vaz de Camões
O cisne, quando sente ser chegada A hora que põe termo a sua vida, Música com voz alta e mui subida Levanta pela praia inabitada. Deseja ter a vida prolongada Chorando do viver a despedida; Com grande saudade da partida, Celebra o triste fim desta jornada. Assim, Senhora minha, quando via O triste fim que davam meus amores, Estando posto já no extremo fio, Com mais suave canto e harmonia Descantei pelos vossos desfavores La vuestra falsa fé y el amor mio.
Luís Vaz de Camões
Ditoso seja aquele que somente Se queixa de amorosas esquivanças; Pois por elas não perde as esperanças De poder nalgum tempo ser contente. Ditoso seja quem, estando absente, Não sente mais que a pena das lembranças, Porque, inda mais que se tema de mudanças, Menos se teme a dor quando se sente. Ditoso seja, enfim, qualquer estado, Onde enganos, desprezos e isenção Trazem o coração atormentado. Mas triste de quem se sente magoado De erros em que não pode haver perdão, Sem ficar na alma a mágoa do pecado.
Florbela Espanca
O pavor e a angústia andam dançando... Um sino grita endechas de poentes... Na meia-noite d ́hoje, soluçando, Que presságios sinistros e dolentes!... Tenho medo da noite!... Padre nosso Que estais no céu... O que minh ́alma teme! Tenho medo da noite!... Que alvoroço Anda nesta alma enquanto o sino geme! Jesus! Jesus, que noite imensa e triste! A quanta dor a nossa dor resiste Em noite assim que a própria dor parece... Ó noite imensa, ó noite do Calvário, Leva contigo envolto no sudário Da tua dor a dor que me não ́squece!
Florbela Espanca
Meu coração da cor dos rubros vinhos Rasga a mortalha do meu peito brando E vai fugindo, e tonto vai andando A perder-se nas brumas dos caminhos. Meu coração o místico profeta, O paladino audaz da desventura, Que sonha ser um santo e um poeta, Vai procurar o Paço da Ventura... Meu coração não chega lá decerto... Não conhece o caminho nem o trilho, Nem há memória desse sítio incerto... Eu tecerei uns sonhos irreais... Como essa mãe que viu partir o filho, Como esse filho que não voltou mais
Florbela Espanca
Ando perdida nestes sonhos verdes De ter nascido e não saber quem sou, Ando ceguinha a tatear paredes E nem ao menos sei quem me cegou! Não vejo nada, tudo é morto e vago... E a minha alma cega, ao abandono Faz-me lembrar o nenúfar dum lago ́Stendendo as asas brancas cor do sonho... Ter dentro d ́alma na luz de todo o mundo E não ver nada nesse mar sem fundo, Poetas meus irmãos, que triste sorte!... E chamam-nos a nós Iluminados! Pobres cegos sem culpas, sem pecados, A sofrer pelos outros té à morte!
Florbela Espanca
Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada ... a dolorida ... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que alguém sonhou. Alguém que veio ao mundo pra me ver, E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
Tirar dentro do peito a emoção, A lúcida verdade, o sentimento! - E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso d ́alto pensamento, E puro como um ritmo d ́oração! - E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento!... São assim ocos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavais dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto! Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
Florbela Espanca
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste: "Parece Sexta-feira da Paixão. Sempre a cismar, cismar, d ́olhos no chão, Sempre a pensar na dor que não existe... O que é que tem?! Tão nova e sempre triste! Faça por ́star contente! Pois então?!..." Quando se sofre, o que se diz é vão... Meu coração, tudo, calado ouviste... Os meus males ninguém mos adivinha... A minha dor não fala, anda sozinha... Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!... Os males d ́Anto toda a gente os sabe! Os meus...ninguém... A minha dor não cabe Nos cem milhões de versos que eu fizera!...
Florbela Espanca
Na vida nada tenho e nada sou; Eu ando a mendigar pelas estradas... No silêncio das noites estreladas Caminho, sem saber para onde vou! Tinha o manto do sol... quem mo roubou?! Quem pisou minhas rosas desfolhadas?! Quem foi que sobre as ondas revoltadas A minha taça de ouro espedaçou? Agora vou andando e mendigando, Sem que um olhar dos mundos infinitos Veja passar o verme, rastejando... Ah, quem me dera ser como os chacais Uivando os brados, rouquejando os gritos Na solidão dos ermos matagais!...
Florbela Espanca
Amiga... noiva... irmã... o que quiseres! Por ti, todos os céus terão estrelas, Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las, Ao beijar a esmola que me deres. Podes amar até outras mulheres! - Hei de compor, sonhar palavras belas, Lindos versos de dor só para elas, Para em lânguidas noites lhes dizeres! Crucificada em mim, sobre os meus braços, Hei de pousar a boca nos teus passos Pra não serem pisados por ninguém. E depois... Ah, depois de dores tamanhas, Nascerás outra vez de outras entranhas, Nascerás outra vez de uma outra mãe!
Fernando Pessoa
Quero ser livre insincero Sem crença, dever ou posto. Prisões, nem de amor as quero. Não me amem, porque não gosto. Quando canto o que não minto E choro o que sucedeu, É que esqueci o que sinto E julgo que não sou eu. De mim mesmo viandante Olho as músicas na aragem, E a minha mesma alma errante É uma canção de viagem. 26/08/1930
Fernando Pessoa
Aqui está-se sossegado, Longe do mundo e da vida, Cheio de não ter passado, Até o futuro se olvida. Aqui está-se sossegado. Tinha os gestos inocentes, Seus olhos riam no fundo. Mas invisíveis serpentes Faziam-a ser do mundo. Tinha os gestos inocentes. Aqui tudo é paz e mar. Que longe a vista se perde Na solidão a tornar Em sombra o azul que é verde! Aqui tudo é paz e mar. Sim, poderia ter sido... Mas vontade nem razão O mundo têm conduzido A prazer ou conclusão. Sim, poderia ter sido... Agora não esqueço e sonho. Fecho os olhos, oiço o mar E de ouvi-lo bem, suponho Que veio azul a esverdear. Agora não esqueço e sonho. Não foi propósito, não. Os seus gestos inocentes Tocavam no coração Como invisíveis serpentes. Não foi propósito, não. Durmo, desperto e sozinho. Que tem sido a minha vida? Velas de inútil moinho — Um movimento sem lida... Durmo, desperto e sozinho. Nada explica nem consola. Tudo está certo depois. Mas a dor que nos desola, A mágoa de um não ser dois Nada explica nem consola.
Fernando Pessoa
II Dói viver, nada sou que valha ser. Tardo-me porque penso e tudo rui. Tento saber, porque tentar é ser. Longe de isto ser tudo, tudo flui. Mágoa que, indiferente, faz viver. Névoa que, diferente, em tudo influi. O exílio nada do que foi sequer Ilude, fixa, dá, faz ou possui. Assim, nocturna, a áreas indecisas, O prelúdio perdido traz à mente O que das ilhas mortas foi só brisas, E o que a memória análoga dedica Ao sonho, e onde, lua na corrente, Não passa o sonho e a água inútil fica.
Álvaro de Campos
Ali não havia electricidade. Por isso foi à luz de uma vela mortiça Que li, inserto na cama, O que estava à mão para ler – A Bíblia, em português (coisa curiosa!), feita para protestantes E reli a «Primeira Epístola aos Coríntios». Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província Fazia um grande barulho ao contrário, Dava-me uma tendência do choro para a desolação. A «Primeira Epístola aos Coríntios»... Relia-a à luz de uma vela subitamente antiquíssima, E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim... Sou nada... Sou uma ficção... Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo? «Se eu não tivesse a caridade». E a soberana luz manda, e do alto dos séculos, A grande mensagem com que a alma é livre... «Se eu não tivesse a caridade»... Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!... 20/12/1934
Álvaro de Campos
Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores... À força de diferente, isto é monótono. Como à força de sentir, fico só a pensar. Se, de noite, deitado mas desperto, Na lucidez inútil de não poder dormir, Quero imaginar qualquer coisa E surge sempre outra (porque há sono, E, porque há sono, um bocado de sonho), Quero alongar a vista com que imagino Por grandes palmares fantásticos. Mas não vejo mais, Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras, Que Lisboa com suas casas De várias cores. Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa. À força de monótono, é diferente. E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo. Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo, Lisboa com suas casas De várias cores. 11/05/1934
Álvaro de Campos
Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores... À força de diferente, isto é monótono. Como à força de sentir, fico só a pensar. Se, de noite, deitado mas desperto, Na lucidez inútil de não poder dormir, Quero imaginar qualquer coisa E surge sempre outra (porque há sono, E, porque há sono, um bocado de sonho), Quero alongar a vista com que imagino Por grandes palmares fantásticos. Mas não vejo mais, Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras, Que Lisboa com suas casas De várias cores. Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa. À força de monótono, é diferente. E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo. Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo, Lisboa com suas casas De várias cores. 11/05/1934
Álvaro de Campos
Sim, é claro, O Universo é negro, sobretudo de noite. Mas eu sou como toda a gente, Não tenha eu dores de dentes nem calos e as outras dores passam. Com as outras dores fazem-se versos. Com as que doem, grita-se. A constituição íntima da poesia Ajuda muito... (Como analgésico serve para as dores da alma, que são fracas...) Deixem-me dormir.