Poemas sobre Viagens
Poesia que explora as maravilhas das viagens, as descobertas e as experiências que elas proporcionam.
Álvaro de Campos
2ª Ode E eu era parte de toda a gente que partia. A minha alma era parte do lenço com que aquela rapariga acenava Da janela afastando-se de comboio... O adeus do rapaz de boné claro É dirigido a alguém dentro de mim Sem que ele o queira ou o saiba... E Paris-Fuentes d'Oñoro Em letras encarnadas em fundo branco Ao centro da carruagem, e no alto Em letras que parecem mais vivas e sábias Cª Internacional dos Wagons [...] E o comboio avança — eu fico...
Álvaro de Campos
Quando for a Grande Partida, Quando embarcarmos de vez para fora dos seres e dos sentimentos E no paquete A Morte (que rótulo levarão as nossas malas... Que nome comprazentemente estrangeiro, de lugar, é o do porto de destino?) Quando, emigrantes para sempre, fizermos a viagem irreparável, E abandonarmos este oco e pavoroso mundo tão (...) para os nervos, Estas sensações das coisas tão ligadas e misteriosas, Estes sentimentos humanos tão naturais e inexplicáveis Estas torturas, estes desejos para fora daqui (e de agora), estas saudades súbitas e sem objecto, Este subir do nosso feminino ao olhar que se vela e é materno para as coisas pequeninas, Para os soldados de chumbo, e os comboios de corda e as fivelas dos sapatos da nossa infância, Quando, de vez, para sempre, irremediavelmente, (...)
Olavo Bilac
XIX Sai a passeio, mal o dia nasce, Bela, nas simples roupas vaporosas; E mostra às rosas do jardim as rosas Frescas e puras que possui na face. Passa. E todo o jardim, por que ela passe, Atavia-se. Há falas misteriosas Pelas moitas, saudando-a respeitosas... É como se uma sílfide passasse! E a luz cerca-a, beijando-a. O vento é um choro Curvam-se as flores trêmulas ... O bando Das aves todas vem saudá-la em coro ... E ela vai, dando ao sol o rosto brendo. Às aves dando o olhar, ao vento o louro Cabelo, e às flores os sorrisos dando...
Alberto de Oliveira
Erguido em negro mármor luzidio, Portas fechadas, num mistério enorme, Numa terra de reis, mudo e sombrio, Sono de lendas um palácio dorme. Torvo, imoto em seu leito, um rio o cinge, E, à luz dos plenilúnios argentados, Vê-se em bronze uma antiga e bronca esfinge, E lamentam-se arbustos encantados. Dentro, assombro e mudez! quedas figuras De reis e de rainhas; penduradas Pelo muro panóplias, armaduras, Dardos, elmos, punhais, piques, espadas. E inda ornada de gemas e vestida De tiros de matiz de ardentes cores, Uma bela princesa está sem vida Sobre um toro fantástico de flores. Traz o colo estrelado de diamantes, Colo mais claro do que a espuma jônia. E rolam-lhe os cabelos abundantes Sobre peles nevadas de Issedônia. Entre o frio esplendor dos artefactos, Em seu régio vestíbulo de assombros. Há uma guarda de anões estupefactos, Com trombetas de ébano nos ombros. E o silêncio por tudo! nem de um passo Dão sinal os extensos corredores; Só a lua, alta noite, um raio baço Põe da morta no tálamo de flores. Publicado no livro Ramo de árvore (1922). In: OLIVEIRA, Alberto de. Poesias completas. Ed. crít. Marco Aurélio Mello Reis. Rio de Janeiro: Núcleo Ed. da UERJ, 1978. v.1. (Fluminense
Raimundo Correia
Num recesso da selva ínvia e sombria, Estrelada de flores, vicejante, Onde um rio entre seixos, espumante, Cursando o vale, túrgido, fluía; A coma esparsa, lívido o semblante, Desvairados os olhos, como fria Aparição dos túmulos, um dia Surgiu de Hamlet a lacrimosa amante; Símplices flores o seu porte lindo Ornavam... como um pranto, iam caindo As folhas de um salgueiro na corrente... E na corrente ela também tombando, Foi-se-lhe o corpo alvíssimo boiando Por sobre as águas indolentemente. Publicado no livro Sinfonias (1882). Primeiro da série Perfis Românticos, constituída por oito sonetos.
Raimundo Correia
Agrada à vista e à fantasia agrada Ver-te, através do prisma de diamantes Da chuva, assim ferida e atravessada Do sol pelos venábulos radiantes... Vais e molhas-te, embora os pés levantes: – Par de pombos, que a ponta delicada Dos bicos metem nágua e, doidejantes, Bebem nos regos cheios da calçada... Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto, Borrifando-te colmam-te as goteiras De pérolas o manto mal coberto; E estrelas mil cravejam-te, fagueiras, Estrelas falsas, mas que assim de perto, Rutilam tanto, como as verdadeiras... Publicado no livro Versos e Versões (1887).
Raimundo Correia
Enquanto a chuva cai, grossa e torrencial, Lá fora; e enquanto, ó bela! A lufada glacial Tamborila a bater nos vidros da janela; Dentro, esse áureo torçal Do cabelo que, rico, em ondas se encapela, Deslaça; e o alvor ideal Do teu corpo à avidez do meu olhar revela; Porque, à avidez do olhar Do amante, é grato, ao menos, Destas noites no longo e monótono curso, — Claro como o luar — Ver um busto de Vênus Surgir dentre as lãs e dentre as peles de urso. Publicado no livro Versos e Versões, 1883/1886 (1887).
Raimundo Correia
A loura Julieta enamorada, Triste, lânguida, pálida, abatida, Aparece radiante na sacada Dos raios brancos do luar ferida. Engolfa o olhar na sombra condensada, Perscruta, busca em torno... e na avenida Surge Romeu; da valerosa espada Esplende a clara lâmina polida... Sente-se o arfar de sôfregos desejos, Estoura no ar um turbilhão de beijos, Mas o dia reponta!... Ó indiscreta Da cotovia matinal garganta! Ó perigo do amor, que o amor quebranta! Ó noites de Verona! Ó Julieta! Publicado no livro Sinfonias (1882). Último da série Perfis Românticos, constituída por oito sonetos.
Manuel Bandeira
Alô cotovia! Aonde voaste, Por onde andaste, Que tantas saudades me deixaste? — Andei onde deu o vento. Onde foi meu pensamento. Em sítios, que nunca viste, De um país que não existe... Voltei, te trouxe a alegria. — Muito contas, cotovia! E que outras terras distantes Visitaste? Dize ao triste. — Líbia ardente, Cítia fria, Europa, França, Bahia... — E esqueceste Pernambuco, Distraída? — Voei ao Recife, no Cais Pousei da Rua da Aurora. — Aurora da minha vida, — Que os anos não trazem mais! — Os anos não, nem os dias, Que isso cabe às cotovias. Meu bico é bem pequenino Para o bem que é deste mundo: Se enche com uma gota de água. Mas sei torcer o destino, Sei no espaço de um segundo Limpar o pesar mais fundo. Voei ao Recife, e dos longes Das distâncias, aonde alcança Só a asa da cotovia, — Do mais remoto e perempto Dos teus dias de criança Te trouxe a extinta esperança, Trouxe a perdida alegria.
Manuel Bandeira
Corrida de ciclistas. Só me recordo de um bambual debruçado no rio. Três anos? Foi em Petrópolis. Procuro mais longe em minhas reminiscências. Quem me dera me lembrar da teta negra de minh'ama-de-leite... ... Meus olhos não conseguem romper os ruços definitivos do tempo. Ainda em Petrópolis... um pátio de hotel... brinquedos pelo chão... Depois a casa de São Paulo. Miguel Guimarães, alegre, míope e mefistofélico, Tirando reloginhos de plaquê da concha de minha orelha. O urubu pousado no muro do quintal. Fabrico uma trombeta de papel. Comando... O urubu obedece. Fujo, aterrado do meu primeiro gesto de magia. Depois... a praia de Santos... Corridas em círculos riscados na areia... Outra vez Miguel Guimarães, juiz de chegada, com os seus presentinhos. A ratazana enorme apanhada na ratoeira. Outro bambual... O que inspirou a meu irmão o seu único poema: Eu ia por um caminho, Encontrei um maracatu. O qual vinha direitinho Pelas flechas de um bambu. As marés de equinócio, O jardim submerso... Meu tio Cláudio erguendo do chão uma ponta de mastro destroçado. Poesia dos naufrágios! Depois Petrópolis novamente. Eu, junto do tanque, de linha amarrada no incisivo de leite, sem coragem de puxar. Véspera de Natal... Os chinelinhos atrás da porta... E a manhã seguinte, na cama, deslumbrado com os brinquedos trazidos pela fada. E a chácara da Gávea? E a casa da Rua Don'Ana? Boy, o primeiro cachorro. Não haveria outro nome depois (Em casa até as cadelas se chamavam Boy). Medo de gatunos... Para mim eram homens com cara de pau. A volta a Pernambuco! Descoberta dos casarões de telha-va. Meu avô materno — um santo... Minha avó batalhadora. A casa da Rua da União. O pátio — núcleo de poesia. O banheiro — núcleo de poesia. O cambrone — núcleo de poesia (la fraicheur des latrines!). A alcova de música — núcleo de mistério. Tapetinhos de peles de animais. Ninguém nunca ia lá... Silêncio... Obscuridade... O piano de armário, teclas amarelecidas, cordas desafinadas. Descoberta da rua! Os vendedores a domicílio. Ai mundo dos papagaios de papel, dos piões, da amarelinha! Uma noite a menina me tirou da roda de coelho-sai, me levou, imperiosa e ofegante, para um desvão da casa de Dona Aninha Viegas, levantou a sainha e disse mete. Depois meu avô... Descoberta da morte! Com dez anos vim para o Rio. Conhecia a vida em suas verdades essenciais. Estava maduro para o sofrimento E para a poesia!
Manuel Bandeira
Quando na grave solidão do Atlântico Olhavas da amurada do navio O mar já luminoso e já sombrio, Lenau! teu grande espírito romântico Suspirava por ver dentro das ondas Até o álveo profundo das areias, A enxergar alvas formas de sereias De braços nus e nádegas redondas. Ilusão! que sem cauda aqueles seres, Deixando o ermo monótono das águas, Andam em terra suscitando mágoas, Misturadas às filhas das mulheres. Nikolaus Lenau, poeta da amargura! Uma te amou, chamava-se Sofia. E te levou pela melancolia Ao oceano sem fundo da loucura.
Manuel Bandeira
Juiz de Fora! Juiz de Fora! Guardo entre as minhas recordações Mais amoráveis, mais repousantes Tuas manhãs! Um fundo de chácara na Rua Direita Coberto de trapuerabas... Uma velha jabuticabeira cansada de doçura. Tuas três horas da tarde... Tuas noites de cineminha namorisqueiro... Teu lindo parque senhorial mais segundo-reinado do que a própria Quinta da Boa Vista... Teus bondes sem pressa dando voltas vadias... Juiz de Fora! Juiz de Fora! Tu tão de dentro deste Brasil! Tão docemente provinciana... Primeiro sorriso de Minas Gerais!
Manuel Bandeira
Março. Visita da princesa inglesa. Raivou o calor desabaladamente. Foi culpa mesmo da duquesa, Que é Kent. Fui ao Museu de Arte Moderna, À exposição dos neoconcretos. Motivos por demais secretos Poderão construir obra eterna? Em Lígia, tão dotada, a pintura transcende À tela e incorpora a moldura. Vendo e escutando é que se aprende: Aprendi, mas não vi pintura. Uma palavra só e em torno Muito branco basta a Gullar Para um belo poema compor No estilo mais oracular. Minha amiguinha X pretende Que o entende. Será que entende? Jaime Maurício me apresenta era Pedrosa, hoje Martins. Saio azul na tarde nevoenta, Neoconcretizado até os rins. Deixa Boto — última prova Em sua terrena lida — "Os movimentos da vida Pelos silêncios da cova."
Joaquim Maria Machado de Assis
Taça d'água parece o lago ameno; Têm os bambus a forma de cabanas, Que as árvores em flor, mais altas, cobrem Com verdejantes tetos. As pontiagudas rochas entre flores, Dos pagodes o grave aspecto ostentam. .. Faz-me rir ver-te assim, ó natureza, Cópia servil dos homens. Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Lira Chinesa. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v.3, p.53. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira) NOTA: Paráfrase de poema de Han-Tiê, poeta chinês, baseada em tradução em prosa feita por Judith Walter em 186