Poemas sobre Coragem
Versos que exaltam a coragem, a determinação e a capacidade de enfrentar desafios.
Florbela Espanca
Perdi meus fantásticos castelos Como névoa distante que se esfuma... Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: Quebrei as minhas lanças uma a uma! Perdi minhas galeras entre os gelos Que se afundaram sobre um mar de bruma... - Tantos escolhos! Quem podia vê-los? – Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma! Perdi a minha taça, o meu anel, A minha cota de aço, o meu corcel, Perdi meu elmo de ouro e pedrarias... Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... Sobre o meu coração pesam montanhas... Olho assombrada as minhas mãos vazias... Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"
Florbela Espanca
Falo de ti às pedras das estradas, E ao sol que e louro como o teu olhar, Falo ao rio, que desdobra a faiscar, Vestidos de princesas e de fadas; Falo às gaivotas de asas desdobradas, Lembrando lenços brancos a acenar, E aos mastros que apunhalam o luar Na solidão das noites consteladas; Digo os anseios, os sonhos, os desejos Donde a tua alma, tonta de vitória, Levanta ao céu a torre dos meus beijos! E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, Sobre os brocados fúlgidos da glória, São astros que me tombam do regaço! Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"
Luís Vaz de Camões
Se tanta pena tenho merecida Em pago de sofrer tantas durezas, Provai, Senhora, em mim vossas cruezas, Que aqui tendes u~a alma oferecida. Nela experimentai, se sois servida, Desprezos, desfavores e asperezas, Que mores sofrimentos e firmezas Sustentarei na guerra desta vida. Mas contra vosso olhos quais serão? Forçado é que tudo se lhe renda, Mas porei por escudo o coração. Porque, em tão dura e áspera contenda, É bem que, pois não acho defensão, Com me meter nas lanças me defenda.
Luís Vaz de Camões
Tomou-me vossa vista soberana Aonde tinha as armas mais à mão, Por mostrar que quem busca defensão Contra esses belos olhos, que se engana. Por ficar da vitória mais ufana, Deixou-me armar primeiro da razão; Cuidei de me salvar, mas foi em vão, Que contra o Céu não vale defensa humana. Mas porém, se vos tinha prometido O vosso alto destino esta vitória, Ser-vos tudo bem pouco está sabido. Que posto que estivesse apercebido, Não levais de vencer-me grande glória; Maior a levo eu de ser vencido.
Luís Vaz de Camões
Quando me quer enganar A minha bela perjura, Pera mais me confirmar O que quer certificar, Pelos seus olhos mo jura. Como meu contentamento Todo se rege por eles, Imagina o pensamento Que se faz agravo a eles Não crer tão grão juramento. Porém, como em casos tais Ando já visto e corrente, Sem outros certos sinais, Quanto me ela jura mais, Tanto mais cuido que mente. Então, vendo-lhe ofender Uns tais olhos como aqueles, Deixo-me antes tudo crer, Só pela não constranger A jurar falso por eles.
Luís Vaz de Camões
Eu cantarei de amor tão docemente, Por uns termos em si tão concertados, Que dois mil acidentes namorados Faça sentir ao peito que não sente. Farei que amor a todos avivente, Pintando mil segredos delicados, Brandas iras, suspiros magoados, Temerosa ousadia e pena ausente. Também, Senhora, do desprezo honesto De vossa vista branda e rigorosa, Contentar-me-ei dizendo a menor parte. Porém, pera cantar de vosso gesto A composição alta e milagrosa Aqui falta saber, engenho e arte.
Luís Vaz de Camões
Erros meus, má fortuna, amor ardente Em minha perdição se conjuraram; Os erros e a fortuna sobejaram, Que pera mim bastava amor somente. Tudo passei; mas tenho tão presente A grande dor das cousas que passaram, Que as magoadas iras me ensinaram A não querer já nunca ser contente. Errei todo o discurso de meus anos; Dei causa [a] que a Fortuna castigasse As minhas mal fundadas esperanças. De amor não vi senão breves enganos. Oh! quem tanto pudesse, que fartasse Este meu duro Génio de vinganças!
Florbela Espanca
Meu coração da cor dos rubros vinhos Rasga a mortalha do meu peito brando E vai fugindo, e tonto vai andando A perder-se nas brumas dos caminhos. Meu coração o místico profeta, O paladino audaz da desventura, Que sonha ser um santo e um poeta, Vai procurar o Paço da Ventura... Meu coração não chega lá decerto... Não conhece o caminho nem o trilho, Nem há memória desse sítio incerto... Eu tecerei uns sonhos irreais... Como essa mãe que viu partir o filho, Como esse filho que não voltou mais
Florbela Espanca
À tua porta há um pinheiro manso De cabeça pendida, a meditar, Amor! Sou eu, talvez, a contemplar Os doces sete palmos do descanso. Sou eu que para ti atiro e lanço, Como um grito, meus ramos pelo ar, Sou eu que estendo os braços a chamar Meu sonho que se esvai e não alcanço. Eu que do sol filtro os ruivos brilhos Sobre as louras cabeças dos teus filhos Quando o meio-dia tomba sobre a serra... E, à noite, a sua voz dolente e vaga É o soluço da minha alma em chaga: Raiz morta de sede sob a terra!
Florbela Espanca
Viver!... Beber o vento e o sol!... Erguer Ao céu os corações a palpitar! Deus fez os nossos braços pra prender, E a boca fez-se sangue pra beijar! A chama, sempre rubra, ao alto a arder!... Asas sempre perdidas a pairar, Mais alto para as estrelas desprender!... A glória!... A fama!... O orgulho de criar!... Da vida tenho o mel e tenho os travos No lago dos meus olhos de violetas, Nos meus beijos estáticos, pagãos!... Trago na boca o coração dos cravos! Boêmios, vagabundos, e poetas: - Como eu sou vossa irmã, ó meus irmãos!..
Florbela Espanca
Ser a moça mais linda do povoado, Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, Ver descer sobre o ninho aconchegado A bênção do Senhor em cada filho. Um vestido de chita bem lavado, Cheirando a alfazema e a tomilho... Com o luar matar a sede ao gado, Dar às pombas o sol num grão de milho... Ser pura como a água da cisterna, Ter confiança numa vida eterna Quando descer à "terra da verdade"... Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! Dou por elas meu trono de princesa, E todos os meus reinos de ansiedade.
Florbela Espanca
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de infinito! Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
Neste tormento inútil, neste empenho De tornar em silêncio o que em mim canta, Sobem-me roucos brados à garganta Num clamor de loucura que contenho. Ó alma da charneca sacrossanta, Irmã da alma rútila que eu tenho, Dize para onde eu vou, donde é que venho Nesta dor que me exalta e me alevanta! Visões de mundos novos, de infinitos, Cadências de soluços e de gritos, Fogueira a esbrasear que me consome! Dize que mão é esta que me arrasta? Nódoa de sangue que palpita e alastra... Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Florbela Espanca
No divino impudor da mocidade, Nesse êxtase pagão que vence a sorte, Num frêmito vibrante de ansiedade, Dou-te meu corpo prometido à morte! A sombra entre a mentira e a verdade... A nuvem que arrastou o vento norte... - Meu corpo! Trago nele um vinho forte: Meus beijos de volúpia e de maldade! Trago dálias vermelhas no regaço... São os dedos do sol quando te abraço, Cravados no teu peito como lanças! E do meu corpo os leves arabescos Vão-te envolvendo em círculos dantescos Felinamente, em voluptuosas danças...
Florbela Espanca
Quem me dera voltar à inocência Das coisas brutas, sãs, inanimadas, Despir o vão orgulho, a incoerência: - Mantos rotos de estátuas mutiladas! Ah! Arrancar às carnes laceradas Seu mísero segredo de consciência! Ah! Poder ser apenas florescência De astros em puras noites deslumbradas! Ser nostálgico choupo ao entardecer, De ramos graves, plácidos, absortos Na mágica tarefa de viver! Ser haste, seiva, ramaria inquieta, Erguer ao sol o coração dos mortos Na urna de ouro de uma flor aberta!...