Poemas sobre Amizade
Versos dedicados à amizade, à importância dos amigos e ao valor desses laços especiais.
Olavo Bilac
Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores novas, mais amigas: Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas Vivem, livres de fomes e fadigas; E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo! envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem: Na glória da alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem! Olavo Bilac, in "Poesias"
Luís Vaz de Camões
Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís Vaz de Camões
Quem vê, Senhora, claro e manifesto O lindo ser de vossos olhos belos, Se não perder de vista só em vê-los, Já não paga o que deve a vosso gesto. Este me parecia preço honesto; Mas eu, por de vantagem merecê-los, Dei mais a vida e alma por querê-los, Donde já não me fica mais de resto. Assim que a vida e alma e esperança, E tudo quanto tenho, tudo é vosso, E o proveito disso eu só o levo. Porque é tamanha bem-aventurança O dar-vos quanto tenho e quanto posso, Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.
Luís Vaz de Camões
Senhora minha, se de pura inveja Amor me tolhe a vista delicada, A cor, de rosa e neve semeada, E dos olhos a luz que o Sol deseja, Não me pode tolher que vos não veja Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada, Onde vos terei sempre debuxada, Por mais cruel inimigo que me seja. Nela vos vejo, e vejo que não nasce Em belo e fresco prado deleitoso Senão flor que dá cheiro a toda a serra. Os lírios tendes nu~a e noutra face. Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso Quem os tiver, se há tanto bem na terra!
Luís Vaz de Camões
Quem diz que Amor é falso ou enganoso, Ligeiro, ingrato, vão desconhecido, Sem falta lhe terá bem merecido Que lhe seja cruel ou rigoroso. Amor é brando, é doce, e é piedoso. Quem o contrário diz não seja crido; Seja por cego e apaixonado tido, E aos homens, e inda aos Deuses, odioso. Se males faz Amor em mim se vêem; Em mim mostrando todo o seu rigor, Ao mundo quis mostrar quanto podia. Mas todas suas iras são de Amor; Todos os seus males são um bem, Que eu por todo outro bem não trocaria.
Florbela Espanca
Uns bezerritos bebem lentamente Na tranqüila levada do moinho. Perpassa nos seus olhos, vagamente, A sombra duma alma cor do linho! Junto deles um par. Naturalmente Namorados ou noivos. De mansinho Soltam frases d ́amor...e docemente Uma criança canta no caminho! Um trecho de paisagem campesina, Uma tela suave, pequenina, Um pedaço de terra sem igual! Oh, abre-me em teu seio a sepultura, Minha terra d ́amor e de ventura, Ó meu amado e lindo Portugal!
Luís Vaz de Camões
De quantas graças tinha, a Natureza Fez um belo e riquíssimo tesouro, E com rubis e rosas, neve e ouro, Formou sublime e angélica beleza. Pôs na boca os rubis, e na pureza Do belo rosto as rosas, por quem mouro; No cabelo o valor do metal louro; No peito a neve em que a alma tenho acesa. Mas nos olhos mostrou quanto podia, E fez deles um sol, onde se apura A luz mais clara que a do claro dia. Enfim, Senhora, em vossa compostura Ela a apurar chegou quanto sabia De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Florbela Espanca
Nessa tarde mimosa de saudade Em que eu te vi partir, ó meu amor, Levaste-me a minh'alma apaixonada Nas folhas perfumadas duma flor. E como a alma, dessa florzita, Que é minha, por ti palpita amante! Oh alma doce, pequenina e branca, Conserva o teu perfume estonteante! Quando fores velha, emurchecida e triste, Recorda ao meu amor, com teu perfume A paixão que deixou e qu'inda existe... Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde, Que venha aquecer-se ao brando lume Dos meus olhos que morrem de saudade!
Florbela Espanca
Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Pedaços de sorriso, branca espuma, Gargalhadas de luz, cantos dispersos, Ou pétalas que caem uma a uma... Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar, Um verso é o teu sorriso e os de Dante Eram o teu amor a soluçar Aos pés da sua estremecida amante! Meus versos!... Sei eu lá também que são... Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração Partido em mil pedaços são talvez... Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Meus soluços de dor que andam dispersos Por este grande amor em que não crês...
Florbela Espanca
Brancas, suaves mãos de irmã Que são mais doces que as das rainhas, Hão de pousar em tuas mãos, as minhas Numa carícia transcendente e vã. E a tua boca a divinal manhã Que diz as frases com que me acarinhas, Há de pousar nas dolorosas linhas Da minha boca purpurina e sã. Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes; Só eles te dirão que tu existes Dentro de mim num riso d’alvorada! E nunca se amará ninguém melhor; Tu calando de mim o teu amor, Sem que eu nunca do meu te diga nada!...
Florbela Espanca
Ser a moça mais linda do povoado, Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, Ver descer sobre o ninho aconchegado A bênção do Senhor em cada filho. Um vestido de chita bem lavado, Cheirando a alfazema e a tomilho... Com o luar matar a sede ao gado, Dar às pombas o sol num grão de milho... Ser pura como a água da cisterna, Ter confiança numa vida eterna Quando descer à "terra da verdade"... Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! Dou por elas meu trono de princesa, E todos os meus reinos de ansiedade.
Florbela Espanca
Meu amor! Meu amante! Meu amigo! Colhe a hora que passa, hora divina, Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo! Sinto-me alegre e forte! Sou menina! Eu tenho, amor, a cinta esbelta e fina... Pele dourada de alabastro antigo... Frágeis mãos de madona florentina... - Vamos correr e rir por entre o trigo! Há rendas de gramíneas pelos montes... Papoulas rubras nos trigais maduros... Água azulada a cintilar nas fontes... E à volta, amor... tornemos, nas alfombras Dos caminhos selvagens e escuros, Num astro só as nossas duas sombras...
Manuel Bandeira
A Guimarães Rosa Acaba a Alegria Dizendo-nos: — Ria! Velha companheira, Boa conselheira! Por isso me rio De mim para mim. Rio, rio, rio! E digo-lhes: — Ria, Rosa, noite e dia! No calor, no frio, Ria, ria! Ria, Como lhe aconselha Essa doce velha Cheirando a alecrim, A alegre Alegria!
Florbela Espanca
Diluído numa taça de ouro a arder Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! O sol a rir...Viv ́alma...Não esboço Um gesto que me não sinta esvaecer... As tuas mãos tateiam-me a tremer... Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço, É como um jasmineiro em alvoroço Ébrio de sol, de aroma, de prazer! Cerro um pouco o olhar, onde subsiste Um romântico apelo vago e mudo - Um grande amor é sempre grave e triste. Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo... Uma torre ergue ao céu um grito agudo... Tua boca desfolha-me num beijo...
Florbela Espanca
Amiga... noiva... irmã... o que quiseres! Por ti, todos os céus terão estrelas, Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las, Ao beijar a esmola que me deres. Podes amar até outras mulheres! - Hei de compor, sonhar palavras belas, Lindos versos de dor só para elas, Para em lânguidas noites lhes dizeres! Crucificada em mim, sobre os meus braços, Hei de pousar a boca nos teus passos Pra não serem pisados por ninguém. E depois... Ah, depois de dores tamanhas, Nascerás outra vez de outras entranhas, Nascerás outra vez de uma outra mãe!
Florbela Espanca
Não me digas adeus, ó sombra amiga, Abranda mais o ritmo dos teus passos; Sente o perfume da paixão antiga, Dos nossos bons e cândidos abraços! Sou dona de místicos cansaços, A fantástica e estranha rapariga Que um dia ficou presa nos teus braços... Não vás ainda embora, ó sombra amiga! Teu amor fez de mim um lago triste: Quantas ondas a rir que não lhe ouviste, Quanta canção de ondinas lá no fundo! Espera...espera...ó minha sombra amada... Vê que pra além de mim já não há nada E nunca mais me encontrarás neste mundo!
Ricardo Reis
Eu nunca fui dos que a um sexo o outro No amor ou na amizade preferiram. Por igual a beleza apeteço Seja onde for, beleza. Pousa a ave, olhando apenas a quem pousa Pondo querer pousar antes do ramo; Corre o rio onde encontra o seu retiro E não onde é preciso. Assim das diferenças me separo E onde amo, porque o amo ou não amo, Nem a inocência inata quando se ama Julgo postergada nisto. Não no objecto, no modo está o amor Logo que a ame, a qualquer cousa amo. meu amor nela não reside, mas Em meu amor. Os deuses que nos deram este rumo Também deram a flor pra que a colhêssemos com melhor amor talvez colhamos O que pra usar buscamos.
Ricardo Reis
Vossa formosa juventude leda, Vossa felicidade pensativa, Vosso modo de olhar a quem vos olha, Vosso não conhecer-vos – Tudo quanto vós sois, que vos semelha À vida universal que vos esquece Dá carinho de amor a quem vos ama Por serdes não lembrando Quanta igual mocidade a eterna praia De Cronos, pai injusto da justiça, Ondas, quebrou, deixando à só memória Um branco som de 'spuma. 02/09/1923