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VILEGIATURA

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Este poema de Álvaro de Campos, intitulado "Vilegiatura", retrata a busca por sossego e tranquilidade durante uma estadia no campo. No entanto, o eu lírico revela uma sensação de opressão e inquietação, trazendo consigo o peso da consciência e a náusea existencial. O poema também aborda a memória de um momento especial compartilhado com alguém, mas que agora parece distante. No final, o eu lírico expressa a ideia de que a vida, independentemente de ser boa ou má, é permeada pelo tédio e pela sensação de vazio.

VILEGIATURA

Um Poema de Álvaro de Campos

O sossego da noite, na vilegiatura no alto;

O sossego, que mais aprofunda

O ladrar esparso dos cães de guarda na noite;

O silêncio, que mais se acentua,

Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhuma no escuro...

Ah, a opressão de tudo isto!

Oprime como ser feliz!

Que vida idílica, se fosse outra pessoa que o tivesse

Com o zumbido ou murmúrio monótono de nada

Sob o céu sardento de estrelas,

Com o ladrar dos cães polvilhando o sossego de tudo!


Vim para aqui repousar,

Mas esqueci-me de me deixar lá em casa.

Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,

A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir.

Sempre esta inquietação mordida aos bocados

Como pão ralo escuro, que se esfarela caindo.

Sempre este mal-estar tomado aos maus haustos

Como um vinho de bêbado quando nem a náusea obsta.

Sempre, sempre, sempre

Este defeito da circulação na própria alma,

Esta lipotimia das sensações,

Isto...


Tuas mãos esguias, um pouco pálidas, um pouco minhas,

Estavam naquele dia quietas pelo teu regaço de sentada,

Como e onde a tesoira e o dedal de uma outra.

Cismavas, olhando-me, como se eu fosse o espaço.

Recordo para ter em que pensar, sem pensar.

De repente, num meio suspiro, interrompeste o que estavas sendo.

Olhaste conscientemente para mim, e disseste:

«Tenho pena que todos os dias não sejam assim» –

Assim, como aquele dia que não fora nada...


Ah, não sabias,

Felizmente não sabias,

Que a pena é todos os dias serem assim, assim;

Que o mal é que, feliz ou infeliz,

A alma goza ou sofre o íntimo tédio de tudo,

Consciente ou inconscientemente,

Pensando ou por pensar –

Que a pena é essa...


Lembro fotograficamente as tuas mãos paradas,

Molemente estendidas.

Lembro-me, neste momento, mais delas do que de ti.

Que será feito de ti?

Sei que, no formidável algures da vida,

Casaste. Creio que és mãe. Deves ser feliz.

Porque o não haverias de ser?


Só por maldade...

Sim, seria injusto...

Injusto?


(Era um dia de sol pelos campos e eu dormitava, sorrindo).

(...)

A vida...

Branco ou tinto, é o mesmo: é para vomitar.

No poetmi desde 2022-10-07 01:37:27

Álvaro de Campos in Poesias de Álvaro de Campos


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Álvaro de Campos

O Poeta Álvaro de Campos é um dos mais importantes heterônimos de Fernando Pessoa.

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