Ser palmeira! existir num píncaro azulado, Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando; Dar ao sopro do mar o seio perfumado, Ora os leques abrindo, ora os leques fechando; Só de meu cimo, só de meu trono, os rumores Do dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol, E no azul dialogar com o espírito das flores, Que invisível ascende e vai falar ao sol; Sentir romper do vale e a meus pés, rumorosa, Dilatar-se e cantar a alma sonora e quente Das árvores, que em flor abre a manhã cheirosa Dos rios, onde luz todo o esplendor do Oriente; E juntando a essa voz o glorioso murmúrio De minha fronde e abrindo ao largo espaço os véus, Ir com ela através do horizonte purpúreo E penetrar nos céus; Ser palmeira, depois de homem ter sido! est'alma Que vibra em mim, sentir que novamente vibra, E eu a espalmo a tremer nas folhas, palma a palma, E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra; E à noite, enquanto o luar sobre os meus leques treme, E estranho sentimento, ou pena ou mágoa ou dó, Tudo tem e, na sombra, ora ou soluça ou geme, E, como um pavilhão, velo lá em cima eu só; Que bom dizer então bem alto ao firmamento O que outrora jamais — homem — dizer não pude, Da menor sensação ao máximo tormento Quanto passa através minha existência rude! E, esfolhando-me ao vento, indômita e selvagem, Quando aos arrancos vem bufando o temporal, — Poeta — bramir então à noturna bafagem Meu canto triunfal! E isto que aqui não digo então dizer: que te amo, Mãe natureza! mas de modo tal que o entendas, Como entendes a voz do pássaro no ramo E o eco que têm no oceano as borrascas tremendas; E pedir que, ou no sol, a cuja luz referves, Ou no verme do chão ou na flor que sorri, Mais tarde, em qualquer tempo, a minh'alma conserves, Para que eternamente eu me lembre de ti! .......................................... Publicado no livro Versos e rimas: primeira parte (1895). In: Poesias completas. Ed. crít. Marco Aurélio Mello Reis. Rio de Janeiro: Núcleo Ed. da UERJ, 1978. v.1. (Fluminense