Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas. As cartas de amor, se há ...
Acordo de noite subitamente. E o meu relógio ocupa a noite toda. Não sinto a Natureza lá fora, O meu quarto é uma coisa escura com paredes vagamente brancas. Lá fora há um sossego como se nada ...
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente ...
REGRESSO AO LAR (END OF THE BOOK) Há quanto tempo não escrevo um soneto. Mas não importa: escrevo este agora. Sonetos são infância, e, nesta hora, A minha infância é só um ponto preto, Que...
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedra ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grande...
II. Carnaval A vida é uma tremenda bebedeira. Eu nunca tiro dela outra impressão. Passo nas ruas, tenho a sensação De um carnaval cheio de cor e poeira... A cada hora tenho a dolorosa Sen...
Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos, E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício. A minha vida passada misturou-se com a futura, E houve no meio um ruído do ...
A Praça da Figueira de manhã, Quando o dia é de sol (como acontece Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece, Embora seja uma memória vã. Há tanta coisa mais interessante Que aquele lugar lógi...
Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento, Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda. Adormeço sem dormir, ao relento da vida. É inútil dizer-me que as acções têm co...
Quando olho para mim não me percebo. Tenho tanto a mania de sentir Que me extravio às vezes ao sair Das próprias sensações que eu recebo. O ar que respiro, este licor que bebo Pertencem ao m...
Não, não é cansaço... É uma quantidade de desilusão Que se me entranha na espécie de pensar. É um domingo às avessas Do sentimento, Um feriado passado no abismo... Não, cansaço não é... É eu...
ODE MORTAL Tu, Caeiro meu mestre, qualquer que seja o traje Com que vestes agora, distante ou próxima, a essência Da tua alma universal localizada, Do teu corpo divino intelectual... Viste...
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepi...
ODE "A PARTIDA" (excertos) Grande libertador, Que quebraste as algemas de todas as mortes – as do corpo e as da alma A morte, a doença, a tristeza A arte, e a ciência, e a filosofia... Gr...
Ah, a frescura na face de não cumprir um dever! Faltar é positivamente estar no campo! Que refúgio o não se poder ter confiança em nós! Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros. ...
BARROW-ON-FURNESS I Sou vil, sou reles, como toda a gente, Não tenho ideais, mas não os tem ninguém. Quem diz que os tem é como eu, mas mente. Quem diz que busca é porque não os tem. É ...
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, Ao luar e ao sonho, na estrada deserta, Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, Que sigo...
CLEARLY NON-CAMPOS! Não sei qual é o sentimento, ainda inexpresso, Que subitamente, como uma sufocação, me aflige O coração que, de repente, Entre o que vive, se esquece. Não sei qual é o se...
Na noite terrível, substância natural de todas as noites, Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites, Relembro, velando em modorra incómoda, Relembro o que fiz e o que pod...
O sossego da noite, na vilegiatura no alto; O sossego, que mais aprofunda O ladrar esparso dos cães de guarda na noite; O silêncio, que mais se acentua, Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhum...
Tenho uma grande constipação, E toda a gente sabe como as grandes constipações Alteram todo o sistema do universo, Zangam-nos contra a vida, E fazem espirrar até à metafísica. Tenho o dia perd...
Cruz na porta da tabacaria! Quem morreu? O próprio Alves? Dou Ao diabo o bem-estar que trazia. Desde ontem a cidade mudou. Quem era? Ora, era quem eu via. Todos os dias o via. Estou Agora s...
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedra ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grande...
Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento, Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda. Adormeço sem dormir, ao relento da vida. É inútil dizer-me que as acções têm co...
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepi...
Ah, a frescura na face de não cumprir um dever! Faltar é positivamente estar no campo! Que refúgio o não se poder ter confiança em nós! Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros. ...
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, Ao luar e ao sonho, na estrada deserta, Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, Que sigo...
Na noite terrível, substância natural de todas as noites, Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites, Relembro, velando em modorra incómoda, Relembro o que fiz e o que pod...
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viveri...
Nas praças vindouras – talvez as mesmas que as nossas – Que elixires serão apregoados? Com rótulos diferentes, os mesmos do Egipto dos Faraós; Com outros processos de os fazer comprar, os que já...
O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... O único olhar sem interesse recebido no acaso Da estrangeira rápida... O olhar de interesse da criança trazida pela mão ...
Faróis distantes, De luz subitamente tão acesa, De noite e ausência tão rapidamente volvida, Na noite, no convés, que consequências aflitas! Mágoa última dos despedidos, Ficção de pensar... ...
Se te queres matar, porque não te queres matar? Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse matar-me, também me mataria... Ah, se ousares, ousa! De que te serve o quadro s...
Não sei. Falta-me um sentido, um tacto Para a vida, para o amor, para a glória... Para que serve qualquer história, Ou qualquer facto? Estou só, só como ninguém ainda esteve, Oco dentro de m...
No lugar dos palácios desertos e em ruínas À beira do mar, Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas De quem sabe amar. Qualquer que ele seja, o destino daqueles Que o amor levou Para a somb...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos, Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais, E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão Nem haja pa...
Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,...
A FERNANDO PESSOA Depois de ler o seu drama estático O Marinheiro em Orpheu 1 Depois de doze minutos Do seu drama "O Marinheiro", Em que os mais ágeis e astutos Se sentem com sono e brutos...
SAUDAÇÃO A WALT WHITMAN Portugal-Infinito, onze de Junho de mil novecentos e quinze... Hé-lá-á-á-á-á-á-á! De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu ...
ODE MARÍTIMA Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão, Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido, Olho e contenta-me ver, Pequeno, negro e claro, um paquete entrando. Vem muito long...
Os antigos invocavam as Musas. Nós invocamo-nos a nós mesmos. Não sei se as Musas apareciam – Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. – Mas sei que nós não aparecemos. Quantas veze...
Não: devagar. Devagar, porque não sei Onde quero ir. Há entre mim e os meus passos Uma divergência instintiva. Há entre quem sou e estou Uma diferença de verbo Que corresponde à realidade. ...
Ali não havia electricidade. Por isso foi à luz de uma vela mortiça Que li, inserto na cama, O que estava à mão para ler – A Bíblia, em português (coisa curiosa!), feita para protestantes E r...
Símbolos? Estou farto de símbolos... Mas dizem-me que tudo é símbolo. Todos me dizem nada. Quais símbolos? Sonhos. – Que o sol seja um símbolo, está bem... Que a lua seja um símbolo, está bem....
Às vezes tenho ideias, felizes, Ideias subitamente felizes, em ideias E nas palavras em que naturalmente se despegam... Depois de escrever, leio... Porque escrevi isto? Onde fui buscar isto?...
O que há em mim é sobretudo cansaço – Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada – Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço. A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas...
Na véspera de não partir nunca Ao menos não há que arrumar malas Nem que fazer planos em papel Com acompanhamento involuntário de esquecimentos, Para o partir ainda livre do dia seguinte. Não ...
Depus a máscara e vi-me ao espelho. – Era a criança de há quantos anos. Não tinha mudado nada... É essa a vantagem de saber tirar a máscara. É-se sempre a criança, O passado que foi A criança...
Começa o haver meia-noite, e a haver sossego, Por toda a parte das coisas sobrepostas, Os andares vários da acumulação da vida... Calaram o piano no terceiro andar... Não oiço já passos no segu...
Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros, Contente da minha anonimidade. Domingo serei feliz – eles, eles... Domingo... Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo... Nenhum domi...
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos, Que felicidade há sempre! Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi. São felizes, porque não são eu. As crianças, que brincam às saca...
Esta velha angústia, Esta angústia que trago há séculos em mim, Transbordou da vasilha, Em lágrimas, em grandes imaginações, Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror, Em grandes emoções súbi...
Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores... À força de diferente, isto é monótono. Como à força de sentir, fico só ...
E o esplendor dos mapas, caminho abstracto para a imaginação concreta, Letras e riscos irregulares abrindo para a maravilha. O que de sonho jaz nas encadernações vetustas, Nas assinaturas comp...
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, Espécie de acessório ou sobresselente próprio, Arredores irregulares da minha emoção sincera, Sou eu aqui em mim, sou eu. Quanto fui, quanto ...
Tenho uma grande constipação, E toda a gente sabe como as grandes constipações Alteram todo o sistema do universo, Zangam-nos contra a vida, E fazem espirrar até à metafísica. Tenho o dia perd...
Cruz na porta da tabacaria! Quem morreu? O próprio Alves? Dou Ao diabo o bem-estar que trazia. Desde ontem a cidade mudou. Quem era? Ora, era quem eu via. Todos os dias o via. Estou Agora s...
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedra ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grande...
Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento, Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda. Adormeço sem dormir, ao relento da vida. É inútil dizer-me que as acções têm co...
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepi...
E o esplendor dos mapas, caminho abstracto para a imaginação concreta, Letras e riscos irregulares abrindo para a maravilha. O que de sonho jaz nas encadernações vetustas, Nas assinaturas comp...
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, Espécie de acessório ou sobresselente próprio, Arredores irregulares da minha emoção sincera, Sou eu aqui em mim, sou eu. Quanto fui, quanto ...
Tenho uma grande constipação, E toda a gente sabe como as grandes constipações Alteram todo o sistema do universo, Zangam-nos contra a vida, E fazem espirrar até à metafísica. Tenho o dia perd...
Cruz na porta da tabacaria! Quem morreu? O próprio Alves? Dou Ao diabo o bem-estar que trazia. Desde ontem a cidade mudou. Quem era? Ora, era quem eu via. Todos os dias o via. Estou Agora s...
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedra ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grande...
Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento, Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda. Adormeço sem dormir, ao relento da vida. É inútil dizer-me que as acções têm co...
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepi...
Ah, a frescura na face de não cumprir um dever! Faltar é positivamente estar no campo! Que refúgio o não se poder ter confiança em nós! Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros. ...
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, Ao luar e ao sonho, na estrada deserta, Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, Que sigo...
Na noite terrível, substância natural de todas as noites, Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites, Relembro, velando em modorra incómoda, Relembro o que fiz e o que pod...
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viveri...
Nas praças vindouras – talvez as mesmas que as nossas – Que elixires serão apregoados? Com rótulos diferentes, os mesmos do Egipto dos Faraós; Com outros processos de os fazer comprar, os que já...
O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... O único olhar sem interesse recebido no acaso Da estrangeira rápida... O olhar de interesse da criança trazida pela mão ...
Faróis distantes, De luz subitamente tão acesa, De noite e ausência tão rapidamente volvida, Na noite, no convés, que consequências aflitas! Mágoa última dos despedidos, Ficção de pensar... ...
Se te queres matar, porque não te queres matar? Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse matar-me, também me mataria... Ah, se ousares, ousa! De que te serve o quadro s...
Não sei. Falta-me um sentido, um tacto Para a vida, para o amor, para a glória... Para que serve qualquer história, Ou qualquer facto? Estou só, só como ninguém ainda esteve, Oco dentro de m...
No lugar dos palácios desertos e em ruínas À beira do mar, Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas De quem sabe amar. Qualquer que ele seja, o destino daqueles Que o amor levou Para a somb...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos, Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais, E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão Nem haja pa...
Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,...
A FERNANDO PESSOA Depois de ler o seu drama estático O Marinheiro em Orpheu 1 Depois de doze minutos Do seu drama "O Marinheiro", Em que os mais ágeis e astutos Se sentem com sono e brutos...
Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros, Contente da minha anonimidade. Domingo serei feliz – eles, eles... Domingo... Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo... Nenhum domi...
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos, Que felicidade há sempre! Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi. São felizes, porque não são eu. As crianças, que brincam às saca...
Esta velha angústia, Esta angústia que trago há séculos em mim, Transbordou da vasilha, Em lágrimas, em grandes imaginações, Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror, Em grandes emoções súbi...
Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores, Lisboa com suas casas De várias cores... À força de diferente, isto é monótono. Como à força de sentir, fico só ...
E o esplendor dos mapas, caminho abstracto para a imaginação concreta, Letras e riscos irregulares abrindo para a maravilha. O que de sonho jaz nas encadernações vetustas, Nas assinaturas comp...
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, Espécie de acessório ou sobresselente próprio, Arredores irregulares da minha emoção sincera, Sou eu aqui em mim, sou eu. Quanto fui, quanto ...
Tenho uma grande constipação, E toda a gente sabe como as grandes constipações Alteram todo o sistema do universo, Zangam-nos contra a vida, E fazem espirrar até à metafísica. Tenho o dia perd...
Cruz na porta da tabacaria! Quem morreu? O próprio Alves? Dou Ao diabo o bem-estar que trazia. Desde ontem a cidade mudou. Quem era? Ora, era quem eu via. Todos os dias o via. Estou Agora s...
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedra ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grande...
Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento, Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda. Adormeço sem dormir, ao relento da vida. É inútil dizer-me que as acções têm co...
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepi...
Ah, a frescura na face de não cumprir um dever! Faltar é positivamente estar no campo! Que refúgio o não se poder ter confiança em nós! Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros. ...
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, Ao luar e ao sonho, na estrada deserta, Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, Que sigo...
Na noite terrível, substância natural de todas as noites, Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites, Relembro, velando em modorra incómoda, Relembro o que fiz e o que pod...
Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro! Vida da origem da minha inspiração! Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? Não cuidaste se morrerias, se viveri...
Nas praças vindouras – talvez as mesmas que as nossas – Que elixires serão apregoados? Com rótulos diferentes, os mesmos do Egipto dos Faraós; Com outros processos de os fazer comprar, os que já...
O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... O único olhar sem interesse recebido no acaso Da estrangeira rápida... O olhar de interesse da criança trazida pela mão ...
Faróis distantes, De luz subitamente tão acesa, De noite e ausência tão rapidamente volvida, Na noite, no convés, que consequências aflitas! Mágoa última dos despedidos, Ficção de pensar... ...
Se te queres matar, porque não te queres matar? Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse matar-me, também me mataria... Ah, se ousares, ousa! De que te serve o quadro s...
Não sei. Falta-me um sentido, um tacto Para a vida, para o amor, para a glória... Para que serve qualquer história, Ou qualquer facto? Estou só, só como ninguém ainda esteve, Oco dentro de m...
BICARBONATO DE SODA Súbita, uma angústia... Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma! Que amigos que tenho tido! Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido! Que esterco metafí...
TRAPO O dia deu em chuvoso. A manhã, contudo, estava bastante azul. O dia deu em chuvoso. Desde manhã eu estava um pouco triste. Antecipação? Tristeza? Coisa nenhuma? Não sei: já ao acordar...
AH, UM SONETO... Meu coração é um almirante louco que abandonou a profissão do mar e que vai relembrando pouco a pouco em casa a passear, a passear... No movimento (eu mesmo me desloco ne...
REALIDADE Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos... Nada está mudado – ou, pelo menos, não dou por isso – Nesta localidade da cidade... Há vinte anos!... O que eu era então! Ora, e...
PSIQUETIPIA (OU PSICOTIPIA) Símbolos. Tudo símbolos... Se calhar, tudo é símbolos... Serás tu um símbolo também? Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancas Postas, com boas maneiras ingl...
Quando é que passará esta noite interna, o universo, E eu, a minha alma, terei o meu dia? Quando é que despertarei de estar acordado? Não sei. O sol brilha alto, Impossível de fitar. As estrel...
PECADO ORIGINAL Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? Será essa, se alguém a escrever, A verdadeira história da humanidade. O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só ...
DACTILOGRAFIA Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano, Firmo o projecto, aqui isolado, Remoto até de quem eu sou. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, O tic-tac estal...
Lá chegam todos, lá chegam todos... Qualquer dia, salvo venda, chego eu também... Se nascem, afinal, todos para isso... Não tenho remédio senão morrer antes, Não tenho remédio senão escal...
Eh, como outrora era outra a que eu não tinha! Como amei quando amei! Ah, como eu via Como e com olhos de quem nunca lia Tinha o trono onde ter uma rainha. Sob os pés seus a vida me espezinha...
Tenho escrito muitos versos, Muitas coisas a rimar, Dadas em ritmos diversos Ao mundo e ao seu olvidar. Nada sou, ou fui de tudo. Quanto escrevi ou pensei É como o filho de um mudo – «Aman...
Sim, está tudo certo. Está tudo perfeitamente certo. O pior é que está tudo errado. Bem sei que esta casa é pintada de cinzento Bem sei qual é o nome desta casa – Não sei, mas poderei saber, c...
V Há quanto tempo, Portugal, há quanto Vivemos separados! Ah, mas a alma, Esta alma incerta, nunca forte ou calma, Não se distrai de ti, nem bem nem tanto. Sonho, histérico oculto, um vão ...
Ó meu amor! ó meu damasco, ó minha seda, Ó meu guizo de prata, Meu colar de pérolas deixado em cima da cómoda, Minha aliança de ouro em dedos já velhinhos e fieis, Minha cantiga de raparigas ao...
II Ah o crepúsculo, o cair da noite, o acender das luzes nas grandes cidades E a mão de mistério que abafa o bulício, E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe Para uma sensação exacta e ...
Ó ambições!... Como eu quisera ser Um pobre bibliófilo parado Sobre o eterno fólio desdobrado E sem mais na consciência de viver. Podia a primavera enverdecer E eu sempre sobre o livro recur...
POEMA DE CANÇÃO SOBRE A ESPERANÇA I Dá-me lírios, lírios, E rosas também. Mas se não tens lírios Nem rosas a dar-me, Tem vontade ao menos De me dar os lírios E também as ...
Com teu gesto pintado e exagerado E o teu prolixo modo de sorrir E o teu olhar, sob o torpor copado Da expressão, veludineo em dirigir Tu nada sabes do essencial pecado E uma inocência (...)...
SAUDAÇÃO Um comboio de criança movido a corda, puxado a cordel Tem mais movimento real do que os nossos versos... Os nossos versos que não têm rodas Os nossos versos que não se deslocam Os n...
Quando os povos da Dalmácia Fizeram guerra aos da Grécia Saiu muita gente sécia Da casa do rei da Trácia. Houve disto grande falácia, Lá para as bandas da Fenícia, Porém temendo malícia, De ...
Mas não e só o cadáver Essa pessoa horrível que não é ninguém, Essa novidade abísmica do corpo usual, Esse desconhecido que aparece por ausência na pessoa que conhecemos, Esse abismo cavado e...
Ó ambições!... Como eu quisera ser Um pobre bibliófilo parado Sobre o eterno fólio desdobrado E sem mais na consciência de viver. Podia a primavera enverdecer E eu sempre sobre o livro recur...
Duas horas e meia da madrugada. Acordo e adormeço. Houve em mim um momento de vida diferente entre sono e sono. Se ninguém condecora o sol por dar luz, Para que condecoram quem é herói? Dur...
É inútil prolongar a conversa de todo este silêncio. Jazes sentado, fumando, no canto do sofá grande — Jazo sentado, fumando, no sofá de cadeira funda, Entre nós não houve, vai para uma hora, S...
O dia esta a intentar raiar. As estrelas cosmopolitas Fecham-se para nada no céu [solene?] Numa grande premeditação de raiar o dia O céu empalidece no oriente... É quase azul negro o escuro c...
POEMA DE CANÇÃO SOBRE A ESPERANÇA I Dá-me lírios, lírios, E rosas também. Mas se não tens lírios Nem rosas a dar-me, Tem vontade ao menos De me dar os lírios E também as ...
Quando nos iremos, ah quando iremos de aqui? Quando, do meio destes amigos que não conheço, Do meio destas maneiras de compreender que não compreendo, Do meio destas vontades involuntariamente ...
Tudo se funde no movimento (...) E cada arbusto fitado Nem é o terceiro que está a seguir. A bondade da chama nocturna em casas distantes, Os lares dos outros meras estrelas humanas na noite...
Ver as coisas até ao fundo... E se as coisas não tiverem fundo? Ah, que bela a superfície! Talvez a superfície seja a essência E o mais que a superfície seja o mais que tudo E o mais que t...
Com teu gesto pintado e exagerado E o teu prolixo modo de sorrir E o teu olhar, sob o torpor copado Da expressão, veludineo em dirigir Tu nada sabes do essencial pecado E uma inocência (...)...
Da casa do monte, símbolo eterno e perfeito, Vejo os campos, os campos todos, E eu os saúdo por fim com a voz verdadeira, Eu lhes dou vivas, chorando, com as lágrimas certas e os vivas exactos —...
Sucata de alma vendida pelo peso do corpo, Se algum guindaste te eleva é para te despejar... Nenhum guindaste te eleva senão para te baixar. Olho analiticamente sem querer, o que romantizo sem...
E se todos ligam pouca importância à morte, nem conseguem Sofrendo, ter verdadeiramente a concentração de sofrer, É que a vida não crê na morte, é que a morte é nada. Embandeira em arco, a tod...
Já sei: alguém disse a verdade. Até os cordéis parecem aflitos, Entra neste lar o objectivo. E cada um ficou de fora, como um pano na corda Que a chuva apanha esquecido na noite de janelas fech...
Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi! Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no ser, Que o ser é o mesmo em ti e em mim. Muito é ausência, nada é perda! To...
Chove muito, chove excessivamente... Chove e de vez em quando faz um vento frio... Estou triste, muito triste, corno se o dia fosse eu. Num dia no meu futuro em que chova assim também E eu, à...
Agora que estou quase na morte e vejo tudo já claro, Grande Libertador, volto submisso a ti. Sem dúvida teve um fim a minha personalidade. Sem dúvida porque se exprimiu, quis dizer qualquer co...
Quando os povos da Dalmácia Fizeram guerra aos da Grécia Saiu muita gente sécia Da casa do rei da Trácia. Houve disto grande falácia, Lá para as bandas da Fenícia, Porém temendo malícia, De ...
Minha imaginação é um Arco de Triunfo. Por baixo passa roda a Vida. Passa a vida comercial de hoje, automóveis, camiões, Passa a vida tradicional nos trajes de alguns regimentos, Passam todas a...
A alma humana é porca como um ânus E a Vantagem dos caralhos pesa em muitas imaginações. Meu coração desgosta-se de tudo com uma náusea do estômago. A Távola Redonda foi vendida a peso, E a b...
Toda a gente é interessante se a gente souber ver toda a gente Que obra-prima para um pintor possível em cada cara que existe! Que expressões em todas, em tudo! Que maravilhosos perfis todos os ...
Quando nos iremos, ah quando iremos de aqui? Quando, do meio destes amigos que não conheço, Do meio destas maneiras de compreender que não compreendo, Do meio destas vontades involuntariamente ...
Ah, quem me dera ser desempregado! Não ter que fazer a valer, mas de dentro! Ter (...)
O melodioso sistema do Universo, O grande festival pagão de haver o sol e a lua E a titânica dança das estações E o ritmo plácido das eclípticas Mandando tudo estar calado. E atender apenas ao...
Ah as horas indecisas em que a minha vida parece de um outro... As horas do crepúsculo no terraço dos cafés cosmopolitas! Na hora de olhos húmidos em que se acendem as luzes E o cansaço sabe vag...
Ver as coisas até ao fundo... E se as coisas não tiverem fundo? Ah, que bela a superfície! Talvez a superfície seja a essência E o mais que a superfície seja o mais que tudo E o mais que t...
A água de aqui é boa, não é? Se é! Quantos vinhos que julguei melhores bebi! A água de aqui — a verdade! A verdade não — a melhor aparência dela... Quando, em grandes praças de eu distra[ído]...
São poucos os momentos de prazer na vida... É gozá-la... Sim, já o ouvi dizer muitas vezes Eu mesmo já o disse. (Repetir é viver.) É gozá-la não é verdade? Gozêmo-la, loura falsa, gozêmo-la...
Vou atirar uma bomba ao destino.
Da casa do monte, símbolo eterno e perfeito, Vejo os campos, os campos todos, E eu os saúdo por fim com a voz verdadeira, Eu lhes dou vivas, chorando, com as lágrimas certas e os vivas exactos —...
Onde é que os mortos dormem? Dorme alguém Neste universo atomicamente falso?
Os mortos! Que prodigiosamente E com que horrível reminiscência Vivem na nossa recordação deles! A minha velha tia na sua antiga casa, no campo Onde eu era feliz e tranquilo e a criança que e...
Ah, sempre me contentou que a plebe se divertisse. Sou-lhe alheio à alegria, mas não alheio a que a tenha Quero que sejam alegres à maneira deles. Se o fossem à minha seriam tristes. Não preten...
E se todos ligam pouca importância à morte, nem conseguem Sofrendo, ter verdadeiramente a concentração de sofrer, É que a vida não crê na morte, é que a morte é nada. Embandeira em arco, a tod...
Saudação a todos quantos querem ser felizes: Saúde e estupidez! Isto de ter nervos Ou de ter inteligência Ou até de julgar que se tem uma coisa ou outra Há-de acabar um dia... Há-de acabar co...
Ah, que extraordinário, Nos grandes momentos do sossego da tristeza, Como quando alguém morre, e estamos em casa dele e todos estão quietos O rodar de um carro na rua, ou o canto de um galo nos ...
Ah quem tivesse a força para desertar deveras!
Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi! Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no ser, Que o ser é o mesmo em ti e em mim. Muito é ausência, nada é perda! To...
A coisa estranha e muda em todo o corpo, Que está ali, ebúrnea, no caixão, O corpo humano que não é corpo humano Que ali se cala em todo o ambiente; O cais deserto que ali aguarda o incógnito ...
Ah, os primeiros minutos nos cafés de novas cidades! A chegada pela manhã a cais ou a gares Cheios de um silêncio repousado e claro! Os primeiros passantes nas ruas das cidades a que se chega......
A alma humana é porca como um ânus E a Vantagem dos caralhos pesa em muitas imaginações. Meu coração desgosta-se de tudo com uma náusea do estômago. A Távola Redonda foi vendida a peso, E a b...
Paro, escuto, reconheço-me! O som da minha voz caiu no ar sem vida. Fiquei o mesmo, tu estás morto, tudo é insensível... Saudar-te foi um modo de eu querer animar-me, Para que te saudei sem que...
A estrada inteiramente insubjectiva Branca, branca, sem pensamento algum
Dá-nos a Tua paz, Deus Cristão falso, mas consolador, porque todos Nascem para a emoção rezada a ti; Deus anti-científico mas que a nossa mãe ensina; Deus absurdo da verdade absurda, mas que te...
2ª Ode E eu era parte de toda a gente que partia. A minha alma era parte do lenço com que aquela rapariga acenava Da janela afastando-se de comboio... O adeus do rapaz de boné claro É dirigi...
Chove fogo — ouro de barulho estruge... "Hela-hohô-ô (ô)... Z — zz Sher Rr to go. Shabababulá... [...] ESPAÇO... Tudo se apaga como uma grande lâmpada eléctrica que se funde... Vem ...
Nas minhas veias, por onde corre, numa lava de asco A fúria do horror da vida!
SAUDAÇÃO A WALT WHITMAN Portugal — Infinito, onze de Junho de 1915 Hé lá, á — á — á — á! De aqui, de Portugal, de onde a Europa olha a América, De onde tu teres existido é um efeito complexo,...
O melodioso sistema do Universo, O grande festival pagão de haver o sol e a lua E a titânica dança das estações E o ritmo plácido das eclípticas Mandando tudo estar calado. E atender apenas ao...
Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só moment...
Há cortejos, pompas, discursos, Na inauguração quotidiana dos meus sentimentos inúteis... São iluminadas à veneziana por luzes contentes As minhas decepções, e os meus desesperos vão em carrosse...
O pó que fica das velocidades que já se não vêem! O do metálico dos êmbolos, O furor uterino das válvulas lá por dentro — O sangue dando em baque ao ataque dos excêntricos. Minhas sensações ...
Toda a gente é interessante se a gente souber ver toda a gente Que obra-prima para um pintor possível em cada cara que existe! Que expressões em todas, em tudo! Que maravilhosos perfis todos os ...
SAUDAÇÃO A minha universalite — A ânsia vaga, a alegria absurda, a dor indecifrável Síndroma da doença da Incongruência Final. Curso do êmbolo do dinamismo abstracto Do vácuo dinâmico do m...
Ai, Margarida, Se eu te desse a minha vida, Que farias tu com ela? — Tirava os brincos do prego, Casava c'um homem cego E ia morar para a Estrela. Mas, Margarida, Se eu te desse a minha vi...
PASSAGEM DAS HORAS Vivo todos os dias todas as esquinas de todas as ruas, E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra. Não me subordino senão por atavismo, E há sempre razõe...
São poucos os momentos de prazer na vida... É gozá-la... Sim, já o ouvi dizer muitas vezes Eu mesmo já o disse. (Repetir é viver.) É gozá-la não é verdade? Gozêmo-la, loura falsa, gozêmo-la...
Clarim claro da manhã ao fundo Do semicírculo frio do horizonte, Ténue clarim longínquo como bandeiras incertas Desfraldadas para além de onde as cores são visíveis. Clarim trémulo, poeira pa...
Durmo, remoto; sonho, diferente, Meu coração, ansioso e pressuroso, Foi entalado num comboio entre Os dois vagões do meu destino ocioso.
Estatelo-me ao comprido em toda a vida E urro em mim a minha ferocidade de viver... Não há gestos de prazer pelo mundo que valham A alegria estupenda de quem não tem outro modo de a exprimir Qu...
Ah as horas indecisas em que a minha vida parece de um outro... As horas do crepúsculo no terraço dos cafés cosmopolitas! Na hora de olhos húmidos em que se acendem as luzes E o cansaço sabe vag...
Não ter deveres, nem horas certas, nem realidades... Ser uma ave humana Que passe haleyonica sobre a intransigência do mundo — Ganhando o pão da sua noite com o suor da fronte dos outros — Faz-...
Perdi a esperança como uma carteira vazia... Troçou de mim o Destino; fiz figas para o outro lado, E a revolta bem podia ser bordada a missanga por minha avó E ser relíquia da sala da casa vel...
Com bandas militares à frente, compostas de volantes e hélices, Com uma vanguarda sonora de sereia de automóvel e de barco Com um estardalhaço longínquo, com saltos e alardes De bombos e pratos,...
Da casa do monte, símbolo eterno e perfeito, Vejo os campos, os campos todos, E eu os saúdo por fim com a voz verdadeira, Eu lhes dou vivas, chorando, com as lágrimas certas e os vivas exactos —...
Cá estamos no píncaro — nós dois. Nós dois e Homero? Não sabemos. Esse está mais abaixo. Estendemos a mão e cada qual ainda que cego chega a Deus (ele não) O quê — você não chega? Então você des...
TRAMWAY Aqui vou eu num carro eléctrico, mais umas trinta ou quarenta pessoas, Cheio (só) das minhas ideias imortais, (creio que boas). Amanhã elas, postas em verso, serão Por toda a Europa...
SAUDAÇÂO A W. WHITMAN Para cantar-te, Para cantar-te como tu quererias que te cantassem, Melhor é cantar a terra, o mar, as cidades e os campos — Os homens, as mulheres, as crianças, As prof...
Vou atirar uma bomba ao destino.
Ah, de que serve A arte que quer ser vida, sem a vida que quer ser? De que serve a arte se não é a arte que queremos? De que nos serve a vida se a queremos e não a buscamos, Se nunca é para nós...
Quase sem querer (se o soubéssemos!) os grandes homens saindo dos homens vulgares O sargento acaba imperador por transições imperceptíveis Em que se vai misturando O conseguimento com o sonho do...
PASSAGEM DAS HORAS OU WALT WHITMAN Eu, o ritmista febril Para quem o parágrafo de versos é uma pessoa inteira, Para quem, por baixo da metáfora aparente, Como em estrofe, anti-estrofe, epodo ...
E se todos ligam pouca importância à morte, nem conseguem Sofrendo, ter verdadeiramente a concentração de sofrer, É que a vida não crê na morte, é que a morte é nada. Embandeira em arco, a tod...
P. DAS HORAS — Parte II — Grandes estandartes de fumo das chaminés das fábricas Sobre os telhados (...) Ó poderosamente gritos de combate! Vago rumor silencioso e comercial das ruas... E a o...
CANÇÃO ABRUPTA O céu de todos os universos Cobre em meu ser todo o verão... Vai p'ra as profundas dos infernos E deixa em paz meu coração! Quê? Não me fica se te opões? Pois leva-o, guard...
O bêbado caía de bêbado E eu, que passava, Não o ajudei, pois caía de bêbado, E eu só passava. O bêbado caiu de bêbado No meio da rua. E eu não me voltei, mas ouvi. Eu...
Ah, sempre me contentou que a plebe se divertisse. Sou-lhe alheio à alegria, mas não alheio a que a tenha Quero que sejam alegres à maneira deles. Se o fossem à minha seriam tristes. Não preten...
I Eu cantarei, Quando a manhã abrir as portas do meu esforço, Eu cantarei, Quando o alto-dia me fizer fechar os olhos, Eu cantarei, Quando o crepúsculo limar as arestas, Eu cantarei, Quan...
No conflito escuro e besta Entre a luz e o lojame Que ao menos luz se derrame Sobre a verdade, que é esta: Como é uso dos lojistas Aumentar aos cem por cento, Protestam contra um aumento Q...
O FUTURO Sei que me espera qualquer coisa Mas não sei que coisa me espera. Como um quarto escuro Que eu temo quando creio que nada temo Mas só o temo, por ele, temo em vão. Não é uma pres...
Futilidade, irrealidade, (...) estática de toda a arte, Condenação dos artistas a não viver! Ó quem nos dera, Walt, A terceira coisa, a média entre a arte e vida A coisa que sentiste, e não s...
Há tanto tempo que não sou capaz De escrever um poema extenso! Há anos... Perdi a virtude do desenvolvimento rítmico Em que a ideia e a forma, Numa unidade de corpo com alma, Unanimemente s...
DIAGNÓSTICO Pouca verdade! Pouca verdade! Tenho razão enquanto não penso. Pouca verdade... Devagar... Pode alguém chegar à vidraça... Nada de emoções!... Cautela! Sim, se mo dessem aceita...
Às vezes medito, Às vezes medito, e medito mais fundo, e ainda mais fundo E todo o mistério das coisas aparece-me como um óleo à superfície, E todo o universo é um mar de caras de olhos fechados...
Campina e trigo, campina, Campina e trigo.) Como ao som de uma marcha ao mesmo tempo marcial e fúnebre, [...] e alegria e temor Rompem... A vida é antagonismo, [...]? Queda de impérios, tud...
Sem impaciência. Sem curiosidade, Sem atenção Vejo-o crochet que com ambas as mãos combinadas Fazes. Vejo-o do alto de um monte inexistente, Malha após malha formando pano... Qual é a ra...
A rapariga inglesa, uma loura, tão jovem, tão boa Que queria casar comigo... Que pena eu não ter casado com ela... Teria sido feliz Mas como é que eu sei se teria sido feliz? Como é que eu sei...
NA ÚLTIMA PÁGINA DE UMA ANTOLOGIA NOVA Tantos bons poetas! Tantos bons poemas! São realmente bons e bons, Com tanta concorrência não fica ninguém, Ou ficam ao acaso, numa lotaria da posterid...
Paro, escuto, reconheço-me! O som da minha voz caiu no ar sem vida. Fiquei o mesmo, tu estás morto, tudo é insensível... Saudar-te foi um modo de eu querer animar-me, Para que te saudei sem que...
... Como, nos dias de grandes acontecimentos no centro da cidade, Nos bairros quase-excêntricos as conversas em silêncio às portas A expectativa em grupos... Ninguém sabe nada. Leve rastro de...
CUL DE LAMPE Pouco a pouco, Sem que qualquer coisa me falte, Sem que qualquer coisa me sobre, Sem que qualquer coisa esteja exactamente na mesma posição, Vou andando parado, Vou vivendo mor...
No ocaso, sobre Lisboa, no tédio dos dias que passam, Fixo no tédio do dia que passa permanentemente Moro na vigília involuntária como um fecho de porta Que não fecha coisa nenhuma. Meu coração...
Dá-nos a Tua paz, Deus Cristão falso, mas consolador, porque todos Nascem para a emoção rezada a ti; Deus anti-científico mas que a nossa mãe ensina; Deus absurdo da verdade absurda, mas que te...
Depois de não ter dormido, Depois de já não ter sono, Interminável madrugada em que se pensa sempre sem se pensar, Vi o dia vir Como a pior das maldições — A condenação ao mesmo Contudo, qu...
Sim, é claro, O Universo é negro, sobretudo de noite. Mas eu sou como toda a gente, Não tenha eu dores de dentes nem calos e as outras dores passam. Com as outras dores fazem-se versos. Com as...
Tão pouco heráldica a vida! Tão sem tronos e ouropéis quotidianos! Tão de si própria oca, tão do sentir-se despida Afogai-me, ó ruído da acção, no som dos vossos oceanos! Sede abençoados, (.....
Chove fogo — ouro de barulho estruge... "Hela-hohô-ô (ô)... Z — zz Sher Rr to go. Shabababulá... [...] ESPAÇO... Tudo se apaga como uma grande lâmpada eléctrica que se funde... Vem ...
Heia? Heia o quê e porquê? O que tiro eu de heia! ou de qualquer coisa, Que valha pensar em heia!? Decadentes, meu velho, decadentes é que nós somos... No fundo de cada um de nós há uma Bizânci...
Os galos cantam e estou bebedíssimo. Não fiz nada da vida senão tê-la. Mal amei, bebi bem, sonhei muitíssimo. Minha intenção não foi a minha estrela. Os galos cantam e eu cada vez...
VIAGEM Sonhar um sonho é perder outro. Tristonho Fito a ponte pesada e calma... Cada sonho é um existir de outro sonho Ó eterna desterrada em ti própria, ó minha alma! Sinto em meu corpo m...
Há cortejos, pompas, discursos, Na inauguração quotidiana dos meus sentimentos inúteis... São iluminadas à veneziana por luzes contentes As minhas decepções, e os meus desesperos vão em carrosse...
Estou cheio de tédio, de nada. Em cima da cama Leio, com uma minuciosidade atómica, Lentamente, com uma atenção sem chama, A Nova Enciclopédia Maçónica. Penso no que fui (não me escapam as en...
A PARTIDA Ave atque vale, ó assombroso universo! Ave atque vale, de que diversa maneira É que eu te verei, e será definitivamente, Se haverá ainda mais vida, mais modos de te conhecer, Mais ...
Se nada houvesse para além da morte, Nada, e o que o espírito é pronto a querer O que a imaginação em vão procura Não fosse nada... E só um vácuo inteiro No mundo, o enorme mundo perceptível, ...
Ai, Margarida, Se eu te desse a minha vida, Que farias tu com ela? — Tirava os brincos do prego, Casava c'um homem cego E ia morar para a Estrela. Mas, Margarida, Se eu te desse a minha vi...
NOCTURNO DE DIA ...Não: o que tenho é sono. O quê? Tanto cansaço por causa das responsabilidades, Tanta amargura por causa de talvez se não ser célebre Tanto desenvolvimento de opiniões sobre...
A PARTIDA E eu o complexo, eu o numeroso, Eu a saturnália de todas as possibilidades, Eu o quebrar do dique de todas as personalizações, Eu o excessivo, eu o sucessivo, eu o (...) Eu o proli...
Ah, abram-me outra realidade! Quero ter, como Blake, a contiguidade dos anjos E ter visões por almoço. Quero encontrar as fadas na rua! Quero desimaginar-me deste mundo feito com garras, Desta...
Durmo, remoto; sonho, diferente, Meu coração, ansioso e pressuroso, Foi entalado num comboio entre Os dois vagões do meu destino ocioso.
A luz crua do estio prematuro Sai como um grito do ar da primavera... Meus olhos ardem-me como se viesse da Noite... Meu cérebro está tonto, como se eu quisesse justiça... Contra a luz crua t...
E quando o leito estiver quase ao pé do tecto E eu olhando para trás, por esta vigia — o quarto todo com os seus armários, E sentindo na alma o movimento da hélice do navio, Verei já tudo ao lon...
Meu coração, mistério batido pelas lonas dos ventos... Bandeira a estralejar desfraldadamente ao alto, Árvore misturada, curvada, sacudida pelo vendaval, Agitada como uma espuma verde pegada a s...
Perdi a esperança como uma carteira vazia... Troçou de mim o Destino; fiz figas para o outro lado, E a revolta bem podia ser bordada a missanga por minha avó E ser relíquia da sala da casa vel...
Não ter deveres, nem horas certas, nem realidades... Ser uma ave humana Que passe haleyonica sobre a intransigência do mundo — Ganhando o pão da sua noite com o suor da fronte dos outros — Faz-...
A morte — esse pior que tem por força que acontecer; Esse cair para o fundo do poço sem fundo; Esse escurecer universal para dentro; Esse apocalipse da consciência , com a queda d...
Com bandas militares à frente, compostas de volantes e hélices, Com uma vanguarda sonora de sereia de automóvel e de barco Com um estardalhaço longínquo, com saltos e alardes De bombos e pratos,...
TRAMWAY Aqui vou eu num carro eléctrico, mais umas trinta ou quarenta pessoas, Cheio (só) das minhas ideias imortais, (creio que boas). Amanhã elas, postas em verso, serão Por toda a Europa...
Cá estamos no píncaro — nós dois. Nós dois e Homero? Não sabemos. Esse está mais abaixo. Estendemos a mão e cada qual ainda que cego chega a Deus (ele não) O quê — você não chega? Então você des...
Entremos na morte com alegria! Caramba O ter que vestir fato, o ter que lavar o corpo, O ter que ter razão, semelhanças, maneiras e modos; O ter rins, fígado, pulmões, brônquios, dentes. Coisas...
SAUDAÇÂO A W. WHITMAN Para cantar-te, Para cantar-te como tu quererias que te cantassem, Melhor é cantar a terra, o mar, as cidades e os campos — Os homens, as mulheres, as crianças, As prof...
CARRY NATION Não uma santa estética, como Santa Teresa, Não uma santa dos dogmas, Não uma santa. Mas uma santa humana, maluca e divina, Materna, agressivamente materna, Odiosa, como todas a...
Não! Só quero a liberdade! Amor, glória, dinheiro são prisões. Bonitas salas? Bons estofos? Tapetes moles? Ah, mas deixem-me sair para ir ter comigo. Quero respirar o ar sozinho, Não tenho pul...
Todos julgamos que seremos vivos depois de mortos. Nosso medo da morte é o de sermos enterrados vivos. Queremos ao pé de nós os cadáveres dos que amámos Como se aquilo ainda fosse eles E não o ...
A liberdade, sim, a liberdade! A verdadeira liberdade! Pensar sem desejos nem convicções. Ser dono de si mesmo sem influência de romances! Existir sem Freud nem aeroplanos, Sem cabarets, nem n...
PARAGEM. ZONA Tragam-me esquecimento em travessas! Quero comer o abandono da vida! Quero perder o hábito de gritar para dentro. Arre, já basta! Não sei o quê. mas já basta... Então viver ama...
E eu que estou bêbado de toda a injustiça do mundo... — O dilúvio de Deus e o bebé loirinho boiando morto à tona de água, Eu, em cujo coração a angústia dos outros é raiva, E a vasta humilhação ...
Quando for a Grande Partida, Quando embarcarmos de vez para fora dos seres e dos sentimentos E no paquete A Morte (que rótulo levarão as nossas malas... Que nome comprazentemente estrangeiro, de...
DILUENTE A vizinha do número quatorze ria hoje da porta De onde há um mês saiu o enterro do filho pequeno. Ria naturalmente com a alma na cara. Está certo: é a vida. A dor não dura porque a ...
Estou cansado da inteligência. Pensar faz mal às emoções. Uma grande reacção aparece. Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo Na casa antiga da quinta velha. Pára. meu co...
Bem sei que tudo é natural Mas ainda tenho coração... Boa noite e merda!... (Estala, meu coração!) (Merda para a humanidade inteira!) Na casa da mãe do filho que foi atropelado, Tudo ri, ...
Da casa do monte, símbolo eterno e perfeito, Vejo os campos, os campos todos, E eu os saúdo por fim com a voz verdadeira, Eu lhes dou vivas, chorando, com as lágrimas certas e os vivas exactos —...
Hoje, que sinto nada a vontade, e não sei que dizer, Hoje, que tenho a inteligência sem saber o que querer, Quero escrever o meu epitáfio: Álvaro de Campos jaz Aqui, o resto a Antologia grega tr...
DIAGNÓSTICO Pouca verdade! Pouca verdade! Tenho razão enquanto não penso. Pouca verdade... Devagar... Pode alguém chegar à vidraça... Nada de emoções!... Cautela! Sim, se mo dessem aceita...
Aquela falsa e triste semelhança Entre quem julgo ser e quem eu sou. Sou a máscara que volve a ser criança, Mas reconheço, adulto, aonde estou, Isto não é o Carnaval, nem eu. Tenho vontade d...
Há tanto tempo que não sou capaz De escrever um poema extenso! Há anos... Perdi a virtude do desenvolvimento rítmico Em que a ideia e a forma, Numa unidade de corpo com alma, Unanimemente s...
NOTAS SOBRE TAVIRA Cheguei finalmente à vila da minha infância. Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei. (Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado). Tudo é velho onde ...
A rapariga inglesa, uma loura, tão jovem, tão boa Que queria casar comigo... Que pena eu não ter casado com ela... Teria sido feliz Mas como é que eu sei se teria sido feliz? Como é que eu sei...
O horror sórdido do que, a sós consigo, Vergonhosa de si, no escuro, cada alma humana pensa.
Sem impaciência. Sem curiosidade, Sem atenção Vejo-o crochet que com ambas as mãos combinadas Fazes. Vejo-o do alto de um monte inexistente, Malha após malha formando pano... Qual é a ra...
O Chiado sabe-me a açorda. Corro ao fluir do Tejo lá em baixo. Mas nem ali há universo. E o tédio persiste como uma mão regando no escuro.
Por aqueles, minha mãe, que morreram, que caíram na batalha... Dlôn — ôn — ôn — ôn... Por aqueles, minha mãe, que ficaram mutilados no combate Dlôn — ôn — ôn — ôn... Por aqueles cuja noiva espe...
Minha oração-cavalgada! Minha saudação-arranco! Quem como tu sentiu a vida individual de tudo? Quem como tu esgotou sentir-se — a vida — sentir-nos? Quem como tu tem sempre o sobresselente ...
SAUDAÇÂO A W. WHITMAN Para cantar-te, Para cantar-te como tu quererias que te cantassem, Melhor é cantar a terra, o mar, as cidades e os campos — Os homens, as mulheres, as crianças, As prof...
Vendi-me de graça aos casuais do encontro. Amei onde achei, um pouco por esquecimento. Fui saltando de intervalo em intervalo E assim cheguei a onde cheguei na vida. Hoje, recordando o passad...
Não será melhor Não fazer nada? Deixar tudo ir de escantilhão pela vida abaixo Para um naufrágio sem água? Não será melhor Colher coisa nenhuma Nas roseiras sonhadas, E jazerei quieto, a p...
Ah! Ser indiferente! É do alto do poder da sua indiferença Que os chefes dos chefes dominam o mundo. Ser alheio até a si mesmo! É do alto do sentir desse alheamento Que os mestres dos santos...
Ah, de que serve A arte que quer ser vida, sem a vida que quer ser? De que serve a arte se não é a arte que queremos? De que nos serve a vida se a queremos e não a buscamos, Se nunca é para nós...
Não! Só quero a liberdade! Amor, glória, dinheiro são prisões. Bonitas salas? Bons estofos? Tapetes moles? Ah, mas deixem-me sair para ir ter comigo. Quero respirar o ar sozinho, Não tenho pul...
ODE MARCIAL Ai de ti, ai de ti, ai de nós! Por detrás destas leis inexplicáveis, foges da vida Haverá alguma ternura divina que compense isto tudo? Ainda tens o berço dele a um canto, em ca...
Abram todas as portas! Partam os vidros das janelas! Omitam fechos na vida de fechar! Omitam a vida de fechar da vida de fechar! Que fechar seja estar aberto sem fechos que lembrem, Que parar ...
PASSAGEM DAS HORAS OU WALT WHITMAN Eu, o ritmista febril Para quem o parágrafo de versos é uma pessoa inteira, Para quem, por baixo da metáfora aparente, Como em estrofe, anti-estrofe, epodo ...
A liberdade, sim, a liberdade! A verdadeira liberdade! Pensar sem desejos nem convicções. Ser dono de si mesmo sem influência de romances! Existir sem Freud nem aeroplanos, Sem cabarets, nem n...
Oh o maior horror de terem cessado os clarins Que sons indecisos nos traz o que substitui o vento Nesta profunda palidez [...] dos que mataram? Quem é que vem? O que nos vai dar Que criança a s...
Para cantar-te, Para saudar-te Era preciso escrever aquele poema supremo, Onde, mais que em todos os outros poemas supremos, Vivesse, numa síntese completa feita de uma análise sem esquecimento...
P. DAS HORAS — Parte II — Grandes estandartes de fumo das chaminés das fábricas Sobre os telhados (...) Ó poderosamente gritos de combate! Vago rumor silencioso e comercial das ruas... E a o...
E eu que estou bêbado de toda a injustiça do mundo... — O dilúvio de Deus e o bebé loirinho boiando morto à tona de água, Eu, em cujo coração a angústia dos outros é raiva, E a vasta humilhação ...
Estou vazio como um poço seco Não tenho verdadeiramente realidade nenhuma Tampa no esforço imaginativo!
O verdadeiro poema moderno é a vida sem poemas, E o comboio real e não os versos que o cantam É o ferro dos rails, dos rails quentes, é o ferro das rodas, é o giro real delas. E não os meus poem...
O bêbado caía de bêbado E eu, que passava, Não o ajudei, pois caía de bêbado, E eu só passava. O bêbado caiu de bêbado No meio da rua. E eu não me voltei, mas ouvi. Eu...
DILUENTE A vizinha do número quatorze ria hoje da porta De onde há um mês saiu o enterro do filho pequeno. Ria naturalmente com a alma na cara. Está certo: é a vida. A dor não dura porque a ...
Estou escrevendo sonetos regulares (Ou quase regulares) como um poeta... Mas se eu dissesse a alguém a dor completa Que me faz ter tais gestos e tais ares, (...) Ninguém acreditava. Ó grande...
Se nada houvesse para além da morte, Nada, e o que o espírito é pronto a querer O que a imaginação em vão procura Não fosse nada... E só um vácuo inteiro No mundo, o enorme mundo perceptível, ...
CARNAVAL 3 (...) não tenho compartimentos estanques Para os meus sentimentos e emoções... Vidas, realmente se misturam O que era cérebro acaba sentimento Minha unidade morre ao relento ...
NOCTURNO DE DIA ...Não: o que tenho é sono. O quê? Tanto cansaço por causa das responsabilidades, Tanta amargura por causa de talvez se não ser célebre Tanto desenvolvimento de opiniões sobre...
[I] Hela hoho, helahoho! Desfilam diante de mim as civilizações guerreiras... Numa manhã triunfal, Numa longa linha como que pintada em minha alma , Sucessivamente, indeterminad...
Ah, abram-me outra realidade! Quero ter, como Blake, a contiguidade dos anjos E ter visões por almoço. Quero encontrar as fadas na rua! Quero desimaginar-me deste mundo feito com garras, Desta...
Ah o som de abanar o ferro da engomadeira À janela ao lado da minha infância debruçada! O som de estarem lavando a roupa no tanque! Todas estas coisas são, de qualquer modo, Parte do que sou. ...
A luz crua do estio prematuro Sai como um grito do ar da primavera... Meus olhos ardem-me como se viesse da Noite... Meu cérebro está tonto, como se eu quisesse justiça... Contra a luz crua t...
II A Guerra! Desfilam diante de mim as civilizações guerreiras... As civilizações guerreiras de todos os tempos e lugares... Num panorama confuso e lúcido, Em quadras misturadas e não mistur...
Meu coração, mistério batido pelas lonas dos ventos... Bandeira a estralejar desfraldadamente ao alto, Árvore misturada, curvada, sacudida pelo vendaval, Agitada como uma espuma verde pegada a s...
E o som só dentro do relógio acentuado No serão sem ninguém das casas de jantar da província Põe-me o tempo inteiro em cima da alma, E enquanto não chega a hora do chá das tias velhas, O meu co...
Não ter deveres, nem horas certas, nem realidades... Ser uma ave humana Que passe haleyonica sobre a intransigência do mundo — Ganhando o pão da sua noite com o suor da fronte dos outros — Faz-...
Barcos pesados vindo para as melancólicas sombras Dos grandes olhos incompletos dos arcos das pontes Enormes escaladas medievais dos altos muros do castelo (Luzem como escamas os aços dos elmos ...
Com bandas militares à frente, compostas de volantes e hélices, Com uma vanguarda sonora de sereia de automóvel e de barco Com um estardalhaço longínquo, com saltos e alardes De bombos e pratos,...
O conto antigo da Gata Borralheira, O João Ratão e o Barba Azul e os 40 Ladrões, E depois o Catecismo e a história de Cristo E depois todos os poetas e todos os filósofos; E a lenha ardia na la...
Cá estamos no píncaro — nós dois. Nós dois e Homero? Não sabemos. Esse está mais abaixo. Estendemos a mão e cada qual ainda que cego chega a Deus (ele não) O quê — você não chega? Então você des...
A vida é para os inconscientes (Ó Lydia, Celimène, Daisy) E o consciente é para os mortos — o consciente sem a Vida... Fumo o cigarro que cheira bem à mágoa dos outros, E sou ridículo para eles ...
SAUDAÇÂO A W. WHITMAN Para cantar-te, Para cantar-te como tu quererias que te cantassem, Melhor é cantar a terra, o mar, as cidades e os campos — Os homens, as mulheres, as crianças, As prof...
Vendi-me de graça aos casuais do encontro. Amei onde achei, um pouco por esquecimento. Fui saltando de intervalo em intervalo E assim cheguei a onde cheguei na vida. Hoje, recordando o passad...
Ah, de que serve A arte que quer ser vida, sem a vida que quer ser? De que serve a arte se não é a arte que queremos? De que nos serve a vida se a queremos e não a buscamos, Se nunca é para nós...
O bêbado caía de bêbado E eu, que passava, Não o ajudei, pois caía de bêbado, E eu só passava. O bêbado caiu de bêbado No meio da rua. E eu não me voltei, mas ouvi. Eu...
II Deixo, deuses, atrás a dama antiga (Com uma letra diferente fixo O absurdo, e rio, porque sofro). Digo: Deixo atrás quem amei, como um prefixo... Outrora eu, que era anónimo e prolixo...
I Eu cantarei, Quando a manhã abrir as portas do meu esforço, Eu cantarei, Quando o alto-dia me fizer fechar os olhos, Eu cantarei, Quando o crepúsculo limar as arestas, Eu cantarei, Quan...
IIISomos meninos de uma primavera De que alguém fez tijolos. Quando cismo Tiro da cigarreira um misticismo Que acendo e fumo como se o esquecera. No teu ar de dormir nessa cadeira, (Rep...
O FUTURO Sei que me espera qualquer coisa Mas não sei que coisa me espera. Como um quarto escuro Que eu temo quando creio que nada temo Mas só o temo, por ele, temo em vão. Não é uma pres...
Arre, que tanto é muito pouco! Arre, que tanta besta é muito pouca gente! Arre, que o Portugal que se vê é só isto! Deixem ver o Portugal que não deixam ver! Deixem que se veja, que esse é q...
Todas as horas faço gaffes de civilidade e etiqueta (A vida social é complexa para a minha fraqueza de nervos) Mas nunca existiu quem só tivesse vivido em alma Numa eterna luta de Janus. Arre...
Ora porra! Então a imprensa portuguesa é que é a imprensa portuguesa? Então é esta merda que temos que beber com os olhos? Filhos da puta! Não, que nem há puta que os parisse.
II Deuses, forças, almas de ciência ou fé, Eh! Tanta explicação que nada explica! Estou sentado no cais, numa barrica, E não compreendo mais do que de pé. Porque o havia de compreender? P...
Que somos nós? Navios que passam um pelo outro na noite, Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada. Navios que se afastam po...
III Corre, raio de rio, e leva ao mar A minha indiferença subjectiva! Qual «leva ao mar»! Tua presença esquiva Que tem comigo e com o meu pensar? Lesma de sorte! Vivo a cavalgar A sombra ...
ODE MARCIAL Clarins na noite, Clarins na noite, Clarins subitamente distintos na noite... (É de cavalgada, de cavalgada, de cavalgada o ruído longínquo?) O que é [que] estremece de diver...
IV Conclusão a sucata!... Fiz o cálculo, Saiu-me certo, fui elogiado... Meu coração é um enorme estrado Onde se expõe um pequeno animálculo... A microscópio de desilusões Findei, prolixo ...
Na ampla sala de jantar das tias velhas O relógio tictaqueava o tempo mais devagar. Ah o horror da felicidade que se não conheceu Por se ter conhecido sem se conhecer, O horror do que foi porqu...
Ruído longínquo e próximo não sei porquê Da guerra europeia... Ruído de universo de catástrofe... Que vai morrer para além de onde ouvimos e vemos? Em que fronteiras deu a morte rendez-vous Ao ...
A clareza falsa, rígida, não-lar dos hospitais A alegria humana, vivaz, sobre o caso da vizinha Da mãe inconsolável a que o filho morreu há um ano Trapos somos, trapos amamos, trapos agimos — ...
As mortes, o ruído, as violações, o sangue, o brilho das baionetas... Todas estas coisas são uma só coisa e essa coisa sou Eu...
Névoas de todas as recordações juntas (A institutrice loura dos jardins pacatos) Recordo tudo a ouro do sol e papel de seda... E o arco da criança passa veloz por quase rente a mim...
ODE MARCIAL Inúmero rio sem água — só gente e coisas Pavorosamente sem água! Soam tambores longínquos no meu ouvido, E eu não sei se vejo o rio se ouço os tambores, Como se não pudesse ouv...
Se eu tirar com urna pancada O bolo barato da boca da criança pobre Onde encontrarei justiça no mundo, Onde me esconderei dos olhos do Vulto Invisível que espreita pelas estrelas Quando o cor...
Meu pobre amigo, não tenho compaixão que te dar. A compaixão custa, sobretudo sincera, e em dias de chuva. Quero dizer: custa sentir em dias de chuva. Sintamos a chuva e deixemos a psicologia...
OXFORD SHORES Quero o bem, e quero o mal, e afinal não quero nada. Estou mal deitado sobre a direita, e mal deitado sobre a esquerda E mal deitado sobre a consciência de existir. Estou univer...
Meu coração. o almirante errado Que comandou a armada por haver Tentou caminho onde o negou o Fado, Quis ser feliz quando o não pôde ser. E assim, [fechado?], absurdo, postergado, Dado ao qu...
Estou escrevendo sonetos regulares (Ou quase regulares) como um poeta... Mas se eu dissesse a alguém a dor completa Que me faz ter tais gestos e tais ares, (...) Ninguém acreditava. Ó grande...