Em A mensageira das violetas, o leitor depare-se com uma poeta melancolica, que deposita todo seu ar na poesia, e que questiona seus versos, e até mesmo o seu amor, diante do desprezo o amado.
Perdi meus fantásticos castelos Como névoa distante que se esfuma... Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: Quebrei as minhas lanças uma a uma! Perdi minhas galeras entre os gelos Que se...
Por essa vida fora hás-de adorar Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca, Em infinito anseio hás de beijar Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca! Hás de guardar em cofre perfumado Cabelos d...
Falo de ti às pedras das estradas, E ao sol que e louro como o teu olhar, Falo ao rio, que desdobra a faiscar, Vestidos de princesas e de fadas; Falo às gaivotas de asas desdobradas, Lembran...
Sombrios mensageiros das violetas, De longas e revoltas cabeleiras; Brancos, sois o casto olhar das virgens Pálidas que ao luar, sonham nas eiras. Vermelhos, gargalhadas triunfantes, Lábios qu...
Na vasta enfermaria ela repousa Tão branca como a orla do lençol Gorjeia a sua voz ternos perfumes Como no bosque à noite o rouxinol. É delicada e triste. O seu corpito Tem o perfume casto da ...
Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal Não tem a lividez sinistra da montanha Quando a noite a inunda dum manto sem igual De neve branca e fria onde o luar se banha. No entanto que fogo, que l...
Meio-dia. O sol a prumo cai ardente, Dourando tudo...ondeiam nos trigais D ́ouro fulvo, de leve...docemente... As papoulas sangrentas, sensuais... Andam asas no ar; e raparigas, Flores desabro...
Uns bezerritos bebem lentamente Na tranqüila levada do moinho. Perpassa nos seus olhos, vagamente, A sombra duma alma cor do linho! Junto deles um par. Naturalmente Namorados ou noivos. De man...
e fala da relação íntima e mística que o mar tem com o ser humano. A poesia de Florbela Espanca é conhecida por ser introspectiva e emotiva
e sobre como é preciso aproveitar cada momento e cada oportunidade que nos é dada. A linguagem poética de Florbela Espanca é elegante e refinada
Meu doido coração aonde vais, No teu imenso anseio de liberdade? Toma cautela com a realidade; Meu pobre coração olha cais! Deixa-te estar quietinho! Não amais A doce quietação da soledade? T...
Poeta da saudade, ó meu poeta qu ́rido Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal, Ao escrever o Só pensaste enternecido Que era o mais triste livro deste Portugal, Pensaste nos que liam esse ...
O pavor e a angústia andam dançando... Um sino grita endechas de poentes... Na meia-noite d ́hoje, soluçando, Que presságios sinistros e dolentes!... Tenho medo da noite!... Padre nosso Que es...
Meu coração da cor dos rubros vinhos Rasga a mortalha do meu peito brando E vai fugindo, e tonto vai andando A perder-se nas brumas dos caminhos. Meu coração o místico profeta, O paladino auda...
Ando perdida nestes sonhos verdes De ter nascido e não saber quem sou, Ando ceguinha a tatear paredes E nem ao menos sei quem me cegou! Não vejo nada, tudo é morto e vago... E a minha alma ceg...
Nessa tarde mimosa de saudade Em que eu te vi partir, ó meu amor, Levaste-me a minh'alma apaixonada Nas folhas perfumadas duma flor. E como a alma, dessa florzita, Que é minha, por ti palpita ...
Não acredito em nada. As minhas crenças Voaram como voa a pomba mansa, Pelo azul do ar. E assim fugiram o As minhas doces crenças de criança. Fiquei então sem fé; e a toda gente Eu digo sempre...
Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Pedaços de sorriso, branca espuma, Gargalhadas de luz, cantos dispersos, Ou pétalas que caem uma a uma... Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar, ...
À tua porta há um pinheiro manso De cabeça pendida, a meditar, Amor! Sou eu, talvez, a contemplar Os doces sete palmos do descanso. Sou eu que para ti atiro e lanço, Como um grito, meus ramos ...
Manto de seda azul, o céu reflete Quanta alegria na minha alma vai! Tenho os meus lábios úmidos: tomai A flor e o mel que a vida nos promete! Sinfonia de luz meu corpo não repete O ritmo e a c...
Trazes-me em tuas mãos de vitorioso Todos os bens que a vida me negou, E todo um roseiral, a abrir, glorioso Que a solitária estrada perfumou. Neste meio-dia límpido, radioso, Sinto o teu cora...
Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada ... a dolorida ... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o desti...
Tirar dentro do peito a emoção, A lúcida verdade, o sentimento! - E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso d ́alto pensamento, E puro como um r...
A minha dor é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos têm dobres d ́agonias Ao gemer, comov...
A flor do sonho, alvíssima, divina Miraculosamente abriu em mim, Como se uma magnólia de cetim Fosse florir num muro todo em ruína. Pende em meu seio a haste branda e fina. E não posso entende...
A noite vem pousando devagar Sobre a terra que inunda de amargura... E nem sequer a bênção do luar A quis tornar divinamente pura... Ninguém vem atrás dela a acompanhar A sua dor que é cheia d...
Deixa-me ser a tua amiga, amor; A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amor seja a melhor A mais triste de todas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágoa e dor O que me importa, a ...
Tudo é vaidade neste mundo vão... Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada! E mal desponta em nós a madrugada, Vem logo a noite encher o coração! Até o amor nos mente, essa canção Que nosso peito ri...
Se os que me viram já cheia de graça Olharem bem de frente para mim, Talvez, cheios de dor, digam assim: "Já ela é velha! Como o tempo passa!..." Não sei rir e cantar por mais que faça! Ó mi...
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste: "Parece Sexta-feira da Paixão. Sempre a cismar, cismar, d ́olhos no chão, Sempre a pensar na dor que não existe... O que é que tem?! Tão nova e sempre...
Não sei quem és. Já não te vejo bem... E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...) Sonho que um outro sonho me desfez? Fantasma de que amor? Sombra de quem? Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?... - Não s...
Brancas, suaves mãos de irmã Que são mais doces que as das rainhas, Hão de pousar em tuas mãos, as minhas Numa carícia transcendente e vã. E a tua boca a divinal manhã Que diz as frases com qu...
Eu era a desdenhosa, a indiferente. Nunca sentira em mim o coração Bater em violências de paixão, Como bate no peito à outra gente. Agora, olhas-me tu altivamente, Sem sombra de desejo ou de e...
Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera Não lembrar! Em tardes dolorosas Lembro-me que fui a primavera Que em muros velhos faz nascer as rosas! As minhas mãos outrora carinhosas Pairavam como...
Procurei o amor, que me mentiu. Pedi à vida mais do que ela dava; Eterna sonhadora edificava Meu castelo de luz que me caiu! Tanto clarão nas trevas refulgiu, E tanto beijo a boca me queimava!...
Eu bebo a vida, a vida, a longos tragos Como um divino vinho de Falerno! Pousando em ti o meu olhar eterno Como pousam as folhas sobre os lagos... Os meus sonhos agora são mais vagos... O teu ...
A luz desmaia num fulgor d’aurora, Diz-nos adeus religiosamente... E eu que não creio em nada, sou mais crente Do que em menina, um dia, o fui... outrora... Não sei o que em mim ri, o que em mi...
Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes Borboletas de sol, de asas magoadas, Pousam nos meus, suaves e cansadas Como em dois lírios roxos e dolentes... E os lírios fecham... Meu amor não sente...
Viver!... Beber o vento e o sol!... Erguer Ao céu os corações a palpitar! Deus fez os nossos braços pra prender, E a boca fez-se sangue pra beijar! A chama, sempre rubra, ao alto a arder!... A...
Ser a moça mais linda do povoado, Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, Ver descer sobre o ninho aconchegado A bênção do Senhor em cada filho. Um vestido de chita bem lavado, Cheirando a alf...
Eu trago-te nas mãos o esquecimento Das horas más que tens vivido, amor! E para as tuas chagas o ungüento Com que sarei a minha própria dor. Os meus gestos são ondas de Sorrento... Trago no ...
Até agora eu não me conhecia, Julgava que era eu e eu não era Aquela que em meus versos descrevera Tão clara como a fonte e como o dia. Mas que eu não era eu não o sabia E, mesmo que o soube...
Meu amor! Meu amante! Meu amigo! Colhe a hora que passa, hora divina, Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo! Sinto-me alegre e forte! Sou menina! Eu tenho, amor, a cinta esbelta e fina... Pele...
Na vida nada tenho e nada sou; Eu ando a mendigar pelas estradas... No silêncio das noites estreladas Caminho, sem saber para onde vou! Tinha o manto do sol... quem mo roubou?! Quem pisou mi...
Quanta mulher no teu passado, quanta! Tanta sombra em redor! Mas que me importa? Se delas veio o sonho que conforta, A sua vinda foi três vezes santa! Erva do chão que a mão de Deus levanta, ...
Diluído numa taça de ouro a arder Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! O sol a rir...Viv ́alma...Não esboço Um gesto que me não sinta esvaecer... As tuas mãos tateiam-me a tremer... Meu corp...
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não ...
A noite empalidece.Alvorecer... Ouve-se mais o gargalhar da fonte... Sobre a cidade muda, o horizonte É uma orquídea estranha a florescer. Há andorinhas prontas a dizer A missa d ́alva, mal ...
Nesse país de lenda, que me encanta, Ficaram meus brocados, que despi, E as jóias que p ́las aias reparti Como outras rosas de Rainha Santa! Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta! Foi por lá ...
Amiga... noiva... irmã... o que quiseres! Por ti, todos os céus terão estrelas, Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las, Ao beijar a esmola que me deres. Podes amar até outras mulheres! - Hei...
Não me digas adeus, ó sombra amiga, Abranda mais o ritmo dos teus passos; Sente o perfume da paixão antiga, Dos nossos bons e cândidos abraços! Sou dona de místicos cansaços, A fantástica e es...
Neste tormento inútil, neste empenho De tornar em silêncio o que em mim canta, Sobem-me roucos brados à garganta Num clamor de loucura que contenho. Ó alma da charneca sacrossanta, Irmã da a...
No divino impudor da mocidade, Nesse êxtase pagão que vence a sorte, Num frêmito vibrante de ansiedade, Dou-te meu corpo prometido à morte! A sombra entre a mentira e a verdade... A nuvem qu...
Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera, Eu sou isto que vês: o sonho, a graça, Deu ao meu corpo, o vento, quando passa, Este ar escultural de bayadera... E de manhã o sol é uma cratera, Um...
Quem me dera voltar à inocência Das coisas brutas, sãs, inanimadas, Despir o vão orgulho, a incoerência: - Mantos rotos de estátuas mutiladas! Ah! Arrancar às carnes laceradas Seu mísero seg...
Quem fez ao sapo o leito carmesim De rosas desfolhadas à noitinha? E quem vestiu de monja a andorinha, E perfumou as sombras do jardim? Quem cinzelou estrelas no jasmim? Quem deu esses cabelos...
Na cidade de Assis, Il Poverello Santo, três vezes santo, andou pregando Que o sol, a terra, a flor, o rocio brando, Da pobreza o tristíssimo flagelo, Tudo quanto há de vil, quanto há de belo...
Horas mortas... Curvada aos pés do monte A planície é um brasido... e, torturadas, As árvores sangrentas, revoltadas, Gritam a Deus a bênção duma fonte! E quando, manhã alta, o sol posponte ...
Queria tanto saber porque sou eu! Quem me enjeitou neste caminho escuro? Queria tanto saber porque seguro Nas minhas mãos o bem que não é meu! Quem me dirá se, lá no alto, o céu Também é par...
Frêmito do meu corpo a procurar-te, Febre das minhas mãos na tua pele Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel, Doído anseio dos meus braços a abraçar-te, Olhos buscando os teus por toda a part...
Dize-me, amor, como te sou querida, Conta-me a glória do teu sonho eleito, Aninha-me a sorrir junto ao teu peito, Arranca-me dos pântanos da vida. Embriagada numa estranha lida, Trago nas mã...
Passam no teu olhar nobres cortejos, Frotas, pendões ao vento sobranceiros, Lindos versos de antigos romanceiros, Céus do Oriente, em brasa, como beijos, Mares onde não cabem teus desejos; P...
Este querer-te bem sem me quereres, Este sofrer por ti constantemente, Andar atrás de ti sem tu me veres Faria piedade a toda a gente. Mesmo a beijar-me a tua boca mente... Quantos sangrentos ...
Rasga esses versos que eu te fiz, amor! Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento, Que a cinza os cubra, que os arraste o vento, Que a tempestade os leve aonde for! Rasga-os na mente, se os soub...
Em atitudes e em ritmos fleugmáticos, Erguendo as mãos em gestos recolhidos, Todos brocados fúlgidos, hieráticos, Em ti andam bailando os meus sentidos... E os meus olhos serenos, enigmáticos...